Muito prazer, eu sou pá
Por Carlos Ariosto Tinga da Silva
Nasci de madeira, longa, conquiforme e esguia. Com o tempo fui encurtada e alargada. Estreitada de novo. Aos poucos fui sendo sintetizada. Hoje sou de fibra, perdi a simetria, mais pareço um cutelo, embora ainda seja concha e quando falam de mim, dizem:
Enquanto a pá do Remo tira um breve cochilo, deitada, olhando para o céu, ela se move no mesmo sentido do barco, sutil e despercebida para não o frear. Em breve, estará a postos, de pé, pronta para cravar de forma rápida e suave, para que não cause dor ao seu maior adversário, mas também sua melhor amiga, a água.
A mesma água que oferece resistência ao deslize do barco, é a que apoia a pá do Remo, para que ela gire em torno de si, dando nova vida ao ciclo que se repete. Uma vez na água, é ela que recebe toda a carga que o seu escravo dedicado, impinge a ela. O empurrão das pernas, enquanto os braços se mantêm esticados, movimentam o carro onde se senta o remador.
Diferente do que se imagina, o Remo é um esporte de empurrar. À medida que os finca pés recebem a pressão exercida pelas pernas, o tronco se afasta, sem se levantar, de forma fixa e quando pernas estão quase esticadas, ele começa a se erguer. O olhar fixo no horizonte, o queixo sempre na mesma linha. Quando tronco já não contribui mais, os braços puxam os remos que vem se acelerando, a fim de aproveitar ao máximo, todo o empenho colocado na remada.
A pá que apoia todo este movimento, agora passa a ser uma lâmina que deve sair da água, orgulhosa pelo seu trabalho, e de forma altiva, sai de pé do mesmo jeito que entrou.
Sua fama dura pouco, seu sorriso para o público, ao exibir com orgulho as cores do seu clube, mal consegue mostrar seus dentes, cabendo a ela a mesma missão dada antes. Tirar um novo cochilo, as costas voltadas para a água, mas sempre atenta ao equilíbrio do barco e à alguma onda traiçoeira que tente atingi-la, a fim de desestabilizar a sincronia da guarnição, onde seus escravos concentrados, a obedecem com todo o respeito, rigor e dedicação.
10 comentário
Roberto Mulbert · 27 de abril de 2024 às 12:11
Crônica sensacional, como todas as demais.
As palavras fluem com naturalidade
Parabéns
Abraço
historiasderemador · 27 de abril de 2024 às 13:15
Valeu amigo, já vivemos algumas boas experiências com as pás.
Acácio · 27 de abril de 2024 às 12:48
Sensacional, Seara! A pá é a protagonista que efetivamente viabiliza e suporta a vitória.
historiasderemador · 27 de abril de 2024 às 13:16
Protagonista com pouco tempo para mostrar seus dentes, quase um Enéias
Hamilton Lyra · 27 de abril de 2024 às 13:19
Seara carrega uma sensibilidade de poucos. Domina a caneta além do esporte resgatando a fazendo uma nova história ao remo e remadores
historiasderemador · 27 de abril de 2024 às 13:23
Elogios vindo de alguém do teu nível, me deixa mais empolgado para continuar a relatar o que vejo e remo.
Carlos Bedê · 28 de abril de 2024 às 11:53
Que vivam as pás… parabéns.
historiasderemador · 28 de abril de 2024 às 18:35
Todas
Hugo · 28 de abril de 2024 às 17:51
Excelente crônica!
historiasderemador · 28 de abril de 2024 às 18:35
Valeu amigo