A favor do tempo

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Após longo período sem pegar a estrada, rumei com destino a minha amada terra natal, Florianópolis. Deixei Porto Alegre debaixo de chuva, o fantasma das enchentes ainda arrasta correntes ao meu redor. Impossível passar pela Free Way e não olhar para a piscina que se formou sob o viaduto nos arredores da Igreja de Navegantes. O destino final era na verdade São Paulo, transmissão das regatas do Campeonato Brasileiro de Remo Master que deveria ter ocorrido em PoA.

Ver toda aquela saúde experiente passar a minha frente em quase cento e sessenta provas, durante dois dias e meio de competição, foi gratificante, desafiador e extenuante. Durante minha juventude, era inconcebível aceitar a jovialidade do Odilon Martins remando seu Skiff. Hoje para mim como Master, é difícil aceitar que a juventude não vislumbre a mesma disposição de subir nos barcos e dar suas pazadas.

O desejo é o maior causador do sofrimento, não sei se esta máxima é de Buda, mas a vontade que embarquei no avião, carregando notebook, câmera, tripé e algumas roupas para passar dias na cidade que não dorme, era muito grande. Maior ainda minha expectativa para que a geração das imagens pelos habilidosos profissionais da Gripen Drones, chegassem da melhor forma ao estúdio virtual do meu notebook, e transmitidas ao vivo para o Canal do YouTube, Histórias de Remador: que medalhas não são capazes de contar.

Há quarenta anos nesta mesma raia, num Quatro Sem, conquistamos uma prata no Brasileiro Sênior. Na guarnição estava meu amigo Roberto que me recebeu na sua casa de braços abertos, onde relembramos muitas histórias, fruto de uma amizade que se intensificou graças ao Remo. Aqui meus agradecimentos a sua família por terem me tratado como um príncipe, me dando o que há de melhor, a simplicidade despretensiosa entre amigos.

Treino é treino. Jogo é jogo. Ao vivo tudo acontece em tempo real. Não existe aquelas fitas brancas que usávamos para corrigir nossos erros nas máquinas de datilografar. O medo de não atender aos anseios de quem me convidou para assumir a transmissão era grande. Vento, ondas eletromagnéticas, queda inadvertida de servidor virtual, tudo conspira contra. Mãos suadas seguravam o mouse na direita e o microfone na esquerda.

Entramos en vivo do jeito que estava, da maneira que foi possível. Aquele besouro com olho de mosca guiado por um joystick nas mãos habilidosas do Roberto, o Rei, também conhecido pelo seu próprio nome, Fábio e do mais que compenetrado Diego, deram rasantes subindo e descendo, de bombordo para boreste e vice e versa, na Raia Olímpica da USP, nos brindando com imagens espetaculares. Quase vinte horas de gravação nestes dias que estive ao lado destes mestres, driblando todas as adversidades que não se cansavam de nos surpreender com telas escuras, borradas ou momentos emudecidos.

Um abraço apertado e um sorriso ao vivo, recompensa muito mais do que conversas virtuais. Enfim olhei no olho de um dos meus ídolos do Remo, Matias Boledi, que ao vivo é mais forte, após quatro anos de amizade virtual. Algumas pessoas pediam licença para nos interromper e tecer elogios aos nossos esforços para gerar aquelas imagens e comentários que vieram do meu coração.

Momentos de muita comoção ao ver meu amigo Mário Algoz Dias lendo a mensagem do presidente do União, devido à ausência na competição, causada pelas cheias. Aquele homem frio que insiste em me dar surras dentro d’água, elevou meu apreço a ele, ao ser vencido pelos sentimentos que quase afloraram nos olhos, embargando sua voz.

– Vai Henderson!

Assim gritava seu filho mais velho, punhos cerrados em cima do banco de concreto para lhe dar mais altura, tremendo as pernas, batendo firme com os pés, ao ponto de estremecer a todos em sua volta. Dentro d’água a resposta paternal veio do Dois Sem Timoneiro com uma vitória brilhante. Encerrado o combate, o filho se abraçou a mãe, onde comovido se entregou às lágrimas, semelhantes a estas que molham meu caderno aqui no saguão do aeroporto.

Encerro este infindável relato, com a certeza de que fizemos nosso melhor, agradecendo aqui a equipe que possibilitou esta transmissão, em especial ao abnegado que muitos não sabem quem é, mas ele sabe, que acreditou em mim e nas Histórias de Remador, me trazendo até aqui.


19 comentário

Adriana Piza · 23 de junho de 2024 às 16:34

Parabéns pela transmissão. Por nos proporcionar assistir tudo ao vivo e comentado, e ainda guardar pra sempre o registro de nossas provas… a minha primeira no skiff. Admirável seu empenho e vontade em tudo isso. Obrigada!

    historiasderemador · 24 de junho de 2024 às 15:44

    A transmissão é o resultado de uma equipe que se juntou na véspera da competição, mas graças aos operadores do drone e do suporte de rede da CEPEUSP, conseguimos registrar as estrelas do evento, vocês atletas.

      Antonio Ricardo Lanfredi · 24 de junho de 2024 às 17:14

      Obrigado Seara. Deu pra matar um pouco as saudades de remar. Abraço

        Andreza Borges · 25 de junho de 2024 às 20:40

        Simplesmente mágico, adorei todos os momentos e encontros. Foi minha primeira vez competindo no Brasileiro de Master, foi incrível, e espero que seja a primeira de muitas. Lindo relato, Seara! Parabéns por todo empenho e dedicação ao tentar transmitir aos nossos amigos e familiares um pouquinho que seja da alegria e emoção que permeou o evento. Fica aqui minha solidariedade aos irmãos do Rio Grande do Sul, vítimas das enchentes. 🙏🏼 Grande abraço da “Andreza mãe da Layla” 😁❤️🤍💙

          historiasderemador · 26 de junho de 2024 às 09:58

          Grande Andreza! Tu és um exemplo daquilo que procuro contar aqui, as Histórias de Remador que medalhas não são capazes de contar!

Gilberto Oliveira · 23 de junho de 2024 às 16:47

Querido amigo Seara, que quando escreve, consegue nos passar um filme. Que toda essa tragedia que vivesses ai ao lado de nossos irmaos gauchos, se finde logo. E possas nos brindar cada vez mais, com teus belos textos. Vida longa e força no coracao.
Abraco grande de toda nossa turma do CCJ.

Henderson Ayres · 23 de junho de 2024 às 17:01

Obrigado por estar conosco nestes dias. Muito obrigado por eternizar na sua narrativa este momento. Na água, consegui entregar o meu melhor, tudo que treinamos. Ver a emoção do Luigi nos dá mais força para não pararmos nunca. Ele apenas me carrega com mais responsabilidades de continuar a remar e poder, ao lado dele e dos amigos, viver mais momentos como este, de pura alegria e entrega. Mais uma vez obrigado pela narração e texto.

    historiasderemador · 24 de junho de 2024 às 15:41

    Eu só observo, os protagonistas são vocês, atletas e torcida! Mas o Luigi foi a diferença e prova que o Remo é sim, o mais belo e completo esporte de todos.

Mario Dias · 23 de junho de 2024 às 17:10

Querido amigo Seara,
Saiba que o respeito é mútuo e ainda mais reforçado pela abnegação que dedicas ao nosso amado esporte. Obrigado pelas imagens e pelas palavras, sempre um presente em cada crônica que temos o prazer de degustar.
Sobre a frieza que talvez eu deixe transparecer, talvez seja apenas uma defesa desse coração que se derrete por qualquer emoção, como ficou claro durante minhas palavras no encerramento da regata, rss…
Grande abraço, parceiro, e obrigado por mais esse texto lindo!

Carlos Bedê · 23 de junho de 2024 às 18:45

Realmente foi um show encontrar amigos e uma bela infraestrutura. Pena no último dia, haver uma corrida na via de acesso à raia. Ass8m partimos antes e cá estamos em Curitiba. Em outubro haverá o sênior. Pretendemos vir com o nosso filhote remador. Abraços

Luiz Augusto Goncalves · 23 de junho de 2024 às 21:19

Belo texto Seara! De cara já se percebe que é escrito com o coração. Nada melhor para retratar as melhores memórias que temos da vida, dos amigos etc. Grande abraço.

Matias Boledi · 24 de junho de 2024 às 09:38

Sensacional seu trabalho e sua dedicação em cada transmissão… Sou teu fã de carteirinha… Foi bom demais te ver pessoalmente. Seguimos juntos meu amigo. Muitas remadas ainda estão por vir. Que na próxima possamos passar um tempo maior e com muitas histórias compartilhadas. Um abraço enorme e obrigado pelo Histórias de Remador.

Carlos Pandolpho -Aço · 24 de junho de 2024 às 09:44

Faz Faz tempo que estou fora do remo, mas seu relato me trouxe marejar aos olhos. Me vi voltando ao tempos. Parabéns não só pela transmissão mas pela forma com que nos trouxe esses registros do nosso esporte querido. Grande abr aço do hoje abnegado e treinador do passado, do Saldanha da Gama ES . Aço

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