Só Dez KaeMe
A quarta amanheceu com jeito de segunda-feira, dia da semana escolhido pela maioria das pessoas para se iniciar um projeto novo, uma dieta ou retomar uma atividade que por algum motivo deixou de ser feita.
Dez minutos após o relógio marcar cinco horas da manhã, soou o alarme proforma. Velhinhos costumam acordar cedo, ainda mais quando temos algo a fazer no dia seguinte pelo qual ansiamos.
O caminho para chegar ao Clube foi diferente, pela Avenida São Pedro, sem entulhos sob a Castelo Branco, mas aquela passagem não é convidativa, escura e lúgubre. Do outro lado do viaduto, uma imagem clara estimulava a continuar a viagem, a rua que margeia o Rio e dá acesso às docas do cais. Um vigia com as mãos nos bolsos, a touca enfiada na cabeça, cobrindo as orelhas, me olhava desconfiado, o pescoço enterrado nos ombros a fim de fugir do frio do sereno que caía ao fim da madrugada. A cidade ainda dormia. Mais a frente uma grande poça d’água que cobria a rua de uma lateral a outra, nos obrigava a marchar com o carro de forma lenta e contínua, parar no meio não é uma boa escolha.
O portão do Clube semicerrado confirma que o período de transição reconstrutivo ainda não terminou. Alguns carros estão estacionados sem a ordem de sempre. O que determina as vagas agora, são os parcos espaços que o lodo não tomou conta.
O aroma do café do Adão foi substituído por um ar úmido, lembrando um aquário gigante esvaziado para limpeza. As luzes brilham na garagem, meus olhos mais ainda quando revejo alguns dos velhos amigos de guerra prontos para desenferrujar as juntas tomadas pelo limo do sedentarismo temporário, imposto por um curto período de dois meses eternos. No local do mural de feltro verde e suas tachinhas, somente a parede de tijolo a vista, pintada de branco, descascada pela força do lavajato que não conseguiu retirar as manchas do barro.
O professor costuma dizer que existem dois tipos de atletas (Master), os que gostam de remar e os que gostam de treinar. Eu faço parte da primeira leva, mas para se remar bem, é necessário estar em boa forma física, para que a nossa mente consiga enviar comandos aos músculos, e estes obedeçam, mesmo quando cansados.
Remar no ergômetro é muito chato, mente quem diz o contrário, ainda mais para um franzino peso leve como eu. Os setenta quilos ainda se mantém, a massa magra composta por músculos agora está acumulada no cinturão adiposo da barriga e pneus.
Cumprir só dez quilômetros na máquina, remando de forma contínua com voga baixa, é o mínimo a ser feito. O primeiro reencontro com os treinamentos é algo simples, sentar e remar, livre de preocupações, metas e números, mas o peso da idade aumenta de forma proporcional aos minutos que o famigerado cronômetro acumula a frente dos teus olhos.
Para encerrar a semana, um sábado gelado, quebrado pelo abraço caloroso e apertado de duas amigas juvenis que o remo uniu, cinematográfico, uma das meninas com as pernas dobradas, livres no ar, enquanto a outra girava, sorriam e riam emocionadas de olhos fechados.
Este sonho não há de acabar.
4 comentário
Regina Conti · 6 de julho de 2024 às 22:37
Texto fantástico!!!!
historiasderemador · 7 de julho de 2024 às 11:00
Obrigado!
Joaquim Ameba · 7 de julho de 2024 às 14:49
Dizem que a rotina mata, mas a ausência é ainda mais fatal.
Um eterno recomeçar diário é o segredo para a que a rotina não faça o serviço sujo.
historiasderemador · 7 de julho de 2024 às 15:59
Teus comentários rendem crônicas