Abraço Materno

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Neste final de semana, mal retornamos de Mendoza, disputamos mais uma Regata em Porto Alegre, a primeira Etapa do Circuito de Velocidade no Parque Náutico.

Na cerimonia de entrega de medalhas, encontrei meu eterno algoz, Mário Dias, lesionado, mas como todo bom remador, estava lá prestigiando seus amigos.

Ele me disse que conheceu a minha mãe, quando estivemos competindo na Copa Brasil de Remo de Praia, em 2022 na Praia de Canasvieiras. Sou suspeito para falar dela, mas é uma das pessoas mais especiais que conheço, para não dizer a mais especial.

Ela é muito despojada, conversa com todos, se precisa viajar para locais desconhecidos, não se intimida, levanta o dedo indicador e fala:

–  Excuse me.

Estas duas palavras mágicas, aliadas ao seu carisma, contagia qualquer pessoa e a leva para onde ela queira.

– És tu que sempre ganhas do meu filho?

Num tom ameaçador e ao mesmo tempo debochado como ela costuma ser, disse isto ao Mário. Ele gostou da passagem, eu ainda não conhecia mais esta pérola da Dona Regina.

No encontro dos Master em Mendoza, no último dia de Regatas, o domingo, eu remei duas provas de Skiff. Para aumentar a emoção o professor me escalou para antes, remar uma prova de Four Skiff – E. Vencemos, remando muito bem, entretanto, um pouco mais de energia foi queimado. Será que fez falta nas disputas seguintes?

A primeira, na categoria C, até 49 anos, remei contra dois amigos que o Remo me deu, Carmelo de Santa Fé, Argentina, e Dilermando da ACARES. Esta prova tem muitas Histórias de Remador envolvidas, e merece uma crônica exclusiva.

A derradeira, Skiff Master E, minha categoria, disputei contra o argentino Alejandro Gianazza, do TBC. Eu treinei muito para este evento. Os dez anos que tenho em cima de barcos a Remo, não são suficientes para aquietar a ansiedade que precede, qualquer prova que seja. Foi uma prova duríssima como eu já imaginava.

No almoço de confraternização, tive a grata surpresa, quando olhei a minha frente, meu adversário, que honrosamente veio me cumprimentar e perguntar se eu havia me cansado na prova.

Me quedé muerto, respondi.

Assim é o Remo, enfrentamos adversários, mas ganhamos amigos que aprendemos a respeitar, dando sempre o nosso máximo dentro d’água, como diz Tiago Capi de Almeida.

Meu pai é uma pessoa de certa forma reservada, embora fale de forma exemplar em público, pouco fala de suas emoções e sentimentos, tentando ao máximo não os deixar transparecer.

Quando as regatas terminavam, sua maneira de se expressar era segurando suas mãos cruzadas em frente ao corpo, com a cabeça pendendo levemente para um dos lados, e uma virgula sutil no canto da boca, esboçando um sorriso acanhado e tímido, mas sustentado por um olhar que sempre brilha, lubrificado pelas lágrimas que talvez não caiam pela tradição de que homem não chora. Tal qual a minha mãe, sempre esteve presente nas regatas, torcendo e apoiando.

Ao terminar a prova do Skiff, olhei para o céu azul, e me lembrei deles. Foi a primeira vez que venci uma prova num barco sozinho.

Retornando para a rampa, a garganta seca, as pernas tremulas, olhei para cada pessoa que estava à margem, tentando em vão enxergar os sorrisos do meu pai e da minha mãe, na esperança de em terra, ganhar um abraço materno, e com carinho me parabenizando, ela me diria:

– Que fedido!

Categorias: Crônicas

20 comentário

Carlos Dutra · 21 de abril de 2023 às 17:14

Muito legal, Seara! Certamente ter os nossos pais envolvidos com as nossas lutas é muito bom. Abs.

Acácio Mund Carreirão · 21 de abril de 2023 às 18:03

Linda crônica!

    Antônio Farias Filho · 21 de abril de 2023 às 19:32

    Neto, cada vez melhor nas Crônicas, agora ganhar no Single Skiff para quem era do Remo de Ponta proa de 4 sem…!
    És o CARA REMADOR!!!
    PARABÉNS!!!

    historiasderemador · 23 de abril de 2023 às 22:48

    Obrigado amigo

Guilherme Hart · 21 de abril de 2023 às 18:05

Parabéns Seara o remo trazendo emoções além das disputadas regatas um afeto familiar. Sensacional 👏👏👏👏

Marcão · 21 de abril de 2023 às 18:47

Saudades do Sr Seara, amigo e mestre, e da d Regina com seu olhar de carinho materno para os remadores mais frágeis e, igualmente, aos paquidérmicos. Meu mais sincero afeto e respeito. Grandes lembranças.

ANDRE ARTHUR DUTRA · 22 de abril de 2023 às 10:41

Seara, essa tua crônica me fez viajar nos sentimentos de como nos vemos como eternas crianças, mesmo sendo adultos. Parabéns!

    historiasderemador · 23 de abril de 2023 às 22:50

    somos sempre crianças, ansiosos por novos aprendizados

    Mario Dias · 24 de abril de 2023 às 18:36

    Grande Seara… Obrigado pelo carinho e por reviver esta história da tua mãe querida. Novamente me diverti lembrando da situação e de como ela me deixou meio sem jeito, sem saber se me desculpava ou tentava me “justificar’… Até receber aquele belo sorriso e me sentir aliviado, rssss…
    O ditado se confirmando… Realmente a fruta não cai longe do pé…
    Parabéns por honrar teus queridos 🥰

Rosângela · 22 de abril de 2023 às 11:54

Parabéns, Seara! Diz o ditado que o “ fruto não vai longe do pé”. Tenho certeza q teus pais se orgulham muito do filho!

Sandra Regina da Silva Cayres Berber · 22 de abril de 2023 às 12:51

Linda crônica, Seara Neto! Revelou a importância dos pais, enfim, da família, na torcida durante uma disputa, e no momento da premiação. Ou até, na hora da derrota, quando o consolo e o incentivo são tão importantes para o atleta.

A história de um desportista não se baseia apenas nos treinos, mas está cunhada em seus valores, na sua vivência, transmitidas pelas pessoas que cruzaram o seu caminho, e que de alguma forma puderam moldar sua ética, sua determinação e foco em seus objetivos.

A Regina e o Seára são ótimos exemplos de pais que estão sempre torcendo e incentivando os projetos de seus filhos. Precisamos que as famílias dos atletas sigam este exemplo, e estejam na torcida em dias de Regata. Muitas vezes, isto vale muito mais do que uma medalha!

Cláudia · 23 de abril de 2023 às 21:34

Excelente crônica!

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