A eterna busca da remada perfeita

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Se aparecer uma oportunidade para assistir a um show dos Rolling Stones, não é necessário pensar, basta ir, a certeza de diversão é garantida. O show deles é um show, não somente pelo fato deles serem os Stones, mas porque eles e toda a sua equipe, são muito profissionais, mesmo sob chuva torrencial. Eles ensaiam e gostam de subir ao palco para encantar as multidões que os assistem.

Há tempos que venho tentando remar um Dois Sem. Depois que voltei ao esporte como Master, cheguei a dar umas poucas remadas neste barco. Relembrando minha mãe fazendo tricô, me surgiu uma infeliz analogia à mente. Imaginei duas pessoas tecendo uma blusa, porém, cada uma segurando uma agulha. Não sei se alguém já fez isto, mas é muito provável que a blusa fique toda desbeiçada.

Nós, remadores Master, além da condição física que o esporte nos proporciona, buscamos mais o lazer. O Dois Sem não aceita mentiras, a remada tem que ser as veras, e não as brincas, como dizíamos quando criança.

Num dia de resenha, conversando com um remador, quase vinte anos mais novo, mesma compleição física, porém mais alto, resolvemos lançar o desafio e colocar o barco n’água para ver o que aconteceria.

A primeira tentativa foi após um treino, saímos a remar longo, sem compromissos com tempos, vogas ou velocidade (pace). Entretanto, conhecendo um pouco das nossas personalidades, eu sabia e tinha a mesma certeza da qualidade dum show dos Stones, que buscaríamos a remada perfeita.

Eu já havia participado de outras guarnições com este remador, muito técnico, movimentos precisos e eficientes. Eu queria escrever que quando ele rema, parece vestir paletó e gravata, tamanha sua elegância, mas a revisora editorial não aprovou. Se você está lendo isto, deve ser um devaneio, seu ou meu.

Resolvemos nos permitir mais uma remada nesta semana. O dia com o rio parado não poderia estar melhor. Para dar um tempero extra, optamos em seguir o treino da planilha do professor.

Ao final do aquecimento, aquela parada estratégica para um gole d’água, ouvir a impressão do voga a respeito da remada. Éramos apenas nós dois, o barco e o rio como testemunha. As outras guarnições saíram mais cedo do que nós.

Eu sempre remei na proa dos barcos, algumas vezes na sota-voga do Oito. A mim sempre me coube acompanhar os que estavam a minha frente e dar condições para que desempenhassem bem suas remadas.

Não podemos atrasar ou adiantar a pegada, tampouco a saída da pá d’água. O empurrão das pernas deve ser sincronizado. Porém há um item que é inegociável em qualquer guarnição, o equilíbrio. Um bordo não pode cair, sob o risco de tentarmos compensar jogando o nosso corpo para o bordo contrário.

Além de uma baita dor nas costas, vem a falta de paciência, o cansaço mental acaba se tornando maior do que o físico.

Num Dois Sem é fácil alcançar este equilíbrio, porque é o barco, o soberano das águas, que te diz qual é a altura que você deve levar o remo. Se não notaram a ironia da palavra fácil, isto só ocorre com guarnições que remam a muito tempo, e não no segundo treino. Podemos até medi-la em centímetros ou milímetros, mas na prática, é aquela que a pá fica o mais próximo possível d’água, sem encostar nela até o momento da pegada.

Percebemos que a altura da abraçadeira do voga estava mais baixa do que a minha. Utilizando sua habilidade em regular barcos, ele me disse:

– Equilibra que eu vou retirar um anel de cima da forqueta e colocá-lo por baixo dela.

Passado o medo de virar o barco, e pagar um mico, demos início ao treino. Notamos uma sensível melhora na nossa remada.

Impossível durante a remada, não lembrar do meu amigo Hugo, cujo semblante parecia o de alguém que não fazia força quando remava.

Com ansiedade juvenil aguardo nova oportunidade de remar o contraditório e desafiante Dois Sem, com este grande parceiro.

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Categorias: Crônicas

8 comentário

Mario Richter · 2 de julho de 2023 às 07:26

Belo relato. O dois sem sem o equilíbrio permanente e a sincronia não vai bem. Então concentração e disciplina. Ái vai bem.

Abraço
O

    Rogério dos Santos Torre · 3 de julho de 2023 às 05:31

    A sintonia no dois sem, inicia muito antes de o barco ir para a água. Durante muitos anos remei este barco e a dupla precisa dar “liga”. Algo que ouvimos muito sobre equipes de esportes coletivos. Mas tal qual um relacionamento, só irá colher a remada perfeita, aqueles que se dispuserem a pagar o preço, investir num barco que não perdoa erros ou menos de 100 por cento de dedicação. Mas se você conseguir isso, não existe prazer maior no remo, do que compartilhar com um grande parceiro o andar de um dois sem bem remado. Bela crônica. Grande abraço.

Seara Pai · 2 de julho de 2023 às 08:43

com terno e gravata, assim se rema

Renata · 2 de julho de 2023 às 09:28

Só de o barco não ter virado, já é uma vitoria, e se vcs conseguiram completar o treino proposto pelo técnico já é um estrondoso sucesso…tenho certeza que se fosse um tricô a blusa não sairia “desengonçada”! Um amigo costumava me dizer: “Perfeição não existe, faz o teu melhor que já está bom!!!” Mas ele não conhecia o remo, nem os remadores! Parabéns!

Mario Richter · 2 de julho de 2023 às 09:47

Ótimo Seara. Já havia me contado essa remada dois sem. A regulagem é muito importante, mas as vezes temos que fazer deslizar o barco com pegamos da prateleira, e aí regulados finca pé saímos a remar. Então vem o equilíbrio do remador seja skif ou barco duplo. Disciplina, perseverança e habilidade de se concentrar no barco ,na remada e no companheiro de remo no caso o viga. Cada remada tentando melhorar a próxima.
Abraço

Sandra Berber · 2 de julho de 2023 às 23:06

Quando falam em sincronia das remadas sempre me lembro do meu pai, Sady Berber. Não deve ter sido fácil remar com seus companheiros no mesmo barco!
Buscar a afinidade e a sincronia quando você divide um barco requer dedicação nos treinos e disciplina de todos os atletas.

Joaquim Ameba · 3 de julho de 2023 às 00:41

Levaste chinelada da revisora, mas a rebeldia não perdeste.
O que me causa inveja é tua determinação, pelo remo e pela escrita, ainda sabendo que terás desafios, nos brindando com crônicas saborosas todo domingo, não afrouxas.
Ao citares o Hugo, me veio a lembrança do apelido, mas isto é para outra história de remador.
Na condição de absoluto leigo, te faço companhia lendo, rindo e aprendendo.

Luiz Fernando · 4 de julho de 2023 às 11:44

Excelente relato! Sua experiência traz uma narração realista, animada e com a certeza que novos e bons momentos ainda virão!

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