Aos Mestres com Carinho

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

O treino de sábado para os remadores Master havia acabado. A melhor parte estava começando: a resenha. Caminha para um lado, toma um café para o outro e de repente, sabe quando tu recebes uma pergunta, mas tu percebes que ela tem um tom de pedido?

– Seara, tu já estás indo embora?

Senti que alguma tarefa estava por vir. O professor João Gonçalves é chamado pela turma de chefe, e um pedido de chefe não costuma ser negado. Há que se ressaltar que esta liderança, não foi construída há alguns dias, mas sim há décadas, de forma exemplar, no seu trabalho diário, com poucas palavras, apenas as necessárias, criando enorme respeito por nós liderados.

Ainda que a categoria de voluntário me dê a opção de não aceitar o desafio, o compromisso com a causa, nos move a enfrentar de frente qualquer desafio que nos é sentenciado.

– Tu sais de timoneiro no Oito?

Sem pensar, respondi sim, mas a ficha começou a cair aos poucos, logo após o aceite.

Justamente no dia que se comemora o Dia do Professor no Brasil, eu passei de aluno a professor tal qual se aciona a tecla de um interruptor. Quando penso que os meus cinquenta e sete anos completados na segunda-feira, seriam suficientes para enfrentar esta empreitada, me lembrei que a partir do sim, eu teria que comandar oito atletas, alguns embarcando para o Campeonato Brasileiro que acontece na próxima semana.

Só que a aula onde aprendemos a ensinar, eu não fui chamado, e se fui, com certeza eu gazeei[1]! Mas: missão dada, missão cumprida!

Começa no momento de tirar o barco que fica na prateleira de baixo, sobre três carrinhos com rodas de madeira. Na verdade, são prateleiras móveis, ao puxarmos o barco, ele sai debaixo de outro que está apoiado em prateleiras fixas: Atenção Oito! Mão no barco!

Dentre a equipe de atletas, alguns deles, já foram timoneiros em outros barcos a oito que eu remei. Muito mais fácil ouvir o comando deles e seguir as instruções, isto me deixou mais preocupado ainda, eu não podia estragar o treino deles.

O barco utilizado, foi num modelo para remadores leves, e o timoneiro também deveria ser assim, com um quadril estreito, para não escrever aqui bunda. Eu era um remador peso leve, ainda continuo com os meus setenta quilos, mas me encaixar ali não foi muito fácil, mais difícil foi ficar com as pernas dobradas durante tanto tempo, até agora, os joelhos ainda se lembram da façanha de hoje de manhã.

Não me lembro a última vez que fui timoneiro, acredito que ainda era menor de idade. O equipamento que o timoneiro usava àquela época, era um megafone cônico, de metal, preso à uma adaptação como se fosse um boné, deixando suas mãos livres para segurar as cordinhas do leme.

Foi me passado a Madonna, um microfone similar ao que a cantora utilizava, também preso a nossa cabeça através de um elástico, já me deixando na rampa, ainda mais vulnerável do que estava me sentindo.

O barco começou a andar, e eu não conseguia enxergar as cordinhas do leme, se eram cruzadas ou não. Eu não sabia se puxava a mão direita para ir para boreste ou se era o contrário. Lembrei de um timoneiro que me perguntou se era para ele colocar o barco para o “meu bombordo ou teu bombordo”, mas isto é outra história.

O jeito foi aprender sem professor. Para me ajudar, o vento leste estava entrando de forma lateral pelo bombordo na raia onde fizemos os tiros. Não bastasse uma ponte atravessada no meio do trajeto, nos obrigando a passar por baixo dela.

Ao final, o voga me fala: pede para levantar. Este é o termo utilizado no remo para a chegada, quando se aumenta a força, e consequentemente o ritmo de remadas por minuto, na nossa linguagem, esta frequência é a voga do barco.

Ali, toda minha emoção voltou, e os bravos meninos cresceram, ainda que sob forte cansaço, o vento tentando derrubar o barco, e na lancha, nosso professor nos ensinando palavras de ordem, conseguindo extrair dos atletas seu máximo.

A mim me coube apenas a titularidade provisória de timoneiro, o comandante do barco, que deveria ser o professor, mas na verdade estava como aprendiz, eterno aprendiz.

Este texto é minha homenagem aos professores que já me ensinaram muito, em especial meu pai, que lecionou para mim desenho técnico na faculdade e meu irmão que voltou a ser professor de remo neste ano.

Por falar em professores e aulas, para quem ainda não assistiu, recomendamos o bate papo franco e interessante com o brasileiro Gabriel Soares, Campione Del Mondo, representando a Itália. Vale a pena ver e tirar suas conclusões.


[1] Gazear. V. intr. faltar às aulas, e (p. ext.) às suas obrigações para ir vadiar ou entreter-se em coisas de folgar. Caldas Aulete

Categorias: Crônicas

4 comentário

Sandra Regina da Silva Cayres Berber · 15 de outubro de 2022 às 23:28

Muito boa, Seara Neto! É assim mesmo que acontece quando começamos a ensinar. Mas, a gente vai com a cara e a coragem, e todos só tem a ganhar!
Parabéns pela sua façanha! Pelo jeito, se saiu bem.
Isto nos faz valorizar ainda mais os nossos professores. Não é fácil lesionar nos dias de hoje, com tantas mudanças na sociedade, mas apesar disso, é muito compensador.
Parabéns também a todos os professores que o acompanham neste Canal!

Paulo Damian · 16 de outubro de 2022 às 12:01

Grande narrativa Searinha!!

    Carlos Eduardo Santiago Bedê · 17 de outubro de 2022 às 07:36

    As vezes, ou por raras vezes, estar em outra posição também nos fazem aprender. Mesmo que a pedido ou não, esta posição parece desconfortável, mas não o é. É apenas momentânea. Aprender algo novo nos causa estranheza, mas depois também surpresas. Assim, se constrói história e momentos inesquecíveis

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