Prata Dourada

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Sabemos que observações feitas pela mãe são incontestáveis. Nos anos oitenta, quando eu ainda morava em Floripa, a ouvia dizer:

– O Seara Neto quer fazer tudo ao mesmo tempo, remar, socializar, estudar e trabalhar. Mais ou menos nesta ordem.

Passados quarenta anos o que mudou foi apenas a quantidade de cabelos na minha cabeça que diminuiu quase a zero.

Ontem, sábado, vinte e seis de novembro, transmiti, remei, torci e comentei a última etapa do Circuito de Velocidade 2022, promovido pela REMOSUL. Mais um evento bem-organizado, com a participação dos clubes ACARES, IGT, Vasco da Gama, União e GPA, com provas disputadíssimas.

Confesso que não é fácil tentar ser uma partícula que segundo a Física Quântica é possível estar em dois locais distintos ao mesmo tempo, mas seguimos nesta incansável luta para propagar as Histórias de Remador que medalhas não são capazes de contar.

Minha única prova que remei, o Double Skiff Master “E”, recebi a convocação do professor João Gonçalves, com alegria e ao mesmo tempo, apreensão. Meu voga era ele, o próprio professor. Remador com inúmeros títulos quando sênior e depois como Master, outra infinidade de vitórias, inclusive em nível Mundial!

O cara é uma máquina para remar! E o que assusta ainda mais, é que parece ser tão simples o que ele faz. A pá do seu remo corta a água, tal qual uma faca corta manteiga derretida! Eu fui o proa do barco, óbvio. Ele ditou toda a cadência da prova, toda a força a ser aplicada.

Noutra guarnição do GPA, Donádio e Elton, dois ilustres remadores, que treinam e remam muito. Representando o União, Mário “Algoz Eterno” Dias e outra lenda viva do Remo, Marcelus “Cabeça” Marsili. Além destes feras, mais uma valente guarnição do GPA com amigos , Os Cláudios, que iniciaram no Remo já como Master, e os representantes da ACARES, que mostraram que é dentro d’água que ocorre a disputa.

A resenha é sempre oportuna, louvável estender a prova para o papel, mas o que vale, é a história que o rio há de contar.

Saímos para a prova que eu sabia seria duríssima. Dada a largada, lá por fora o União saiu com tudo. Quinhentos metros de prova, é muito rápido, não há tempo para se consertar um erro na reta, uma remada mal dada. Basicamente a prova consiste em se dar uma largada forte de trinta remadas, quando acabam estas remadas, estamos no meio da prova, e a partir deste momento, se inicia o sprint de chegada, cerca de mais trinta remadas, ou seja, pauleira sempre.

Em termos geográficos, este ponto equivale ao momento quando passamos na frente da garagem do GPA. O som da torcida que chega aos nossos ouvidos, é similar aquelas cenas que vemos em filmes, quando alguém sofre uma pancada na cabeça e mostram a câmera, filmando do solo para o teto, a pessoa retomando os sentidos e o característico som de “uá uá uá”.

Ali estava eu, buscando forças não sei de onde, para acompanhar o sprint que se iniciou. Em cada coxa, um bloco de concreto de secagem rápido se formou, nos antebraços se fundiram pesadas âncoras de ferro, dando a sensação de algo queimando de dentro para fora.

A cabeça pensava tudo isto, não sei como, ela mandava, vai! Vai! E o corpo velho e fatigado ouvia, mas obedecia com a mesma cara de uma aranha sem pernas às ordens de caminhar.

No almoço comemorando os 134 anos do GPA, uma resenha rápida com o professor, relembrando velhos amigos que agora possuem cabelo, diferente de mim, ele me disse com as suas peculiares frases precisas e concisas:

– O nosso Double estava bom, eu remei como se estivesse remando um Skiff.

Eu me senti envaidecido. Fiquei contente, deixei a emoção me contagiar. Fiz o meu melhor. O professor se sentiu bem. Não atrapalhei em nada.

Passada a emoção, fiquei a pensar. O Skiff é o barco que remamos sozinho. Aproveitando os bons momentos que procuro criar com estas resenhas, devolvo a afirmação do professor, como uma indagação ao leitor, inclusive ao seu autor, seria a comparação do Double com um Skiff, pelo fato de o proa (eu) estar sincronizado ao voga (o prof.), ou que o voga estava a remar sozinho, tal qual num Skiff?

Comenta o que você acha, eu desde já estou rindo muito.


11 comentário

Mario Dias · 27 de novembro de 2022 às 17:12

Graaande Seara! Que dom, meu amigo… Transformar em palavras nossa enorme paixão por esse esporte…
Acredito estar falando em nome de todos ao agradecer pela teu esforço em prol da divulgação do remo.
É sempre uma honra dividir a raia contigo.
Parabéns pelo trabalho e dedicação!

    Mario Dias · 27 de novembro de 2022 às 17:59

    E respondendo à tua pergunta: sim, tenho certeza que o professor João estava te elogiando, rsss…
    A sensação de remar um skiff, para o voga, num barco coletivo, vem da qualidade dos parceiros que estão atrás em acompanhar suas remadas. Vindo de quem veio, um mestre, eu me sentiria lisonjeado, rss 😁👍

    historiasderemador · 27 de novembro de 2022 às 21:51

    Nosso esporte é bonito demais para ser vivido e sentido somente por nós, ele pode e deve ser conhecido por quem ainda não ok conhece.
    É como diz meu octagenário pai:

    “Temos que aprender a falar do Remo para os outros, e não para nós mesmos”.

Fernando Vieira · 27 de novembro de 2022 às 17:30

Parabéns proa, ótima prova, 500 metros é como sai tem que chegar, quanto ao voga não sentir o proa (parecer estar em um skiff) é muito bom, sinal que esta conjuntado.

Mario · 27 de novembro de 2022 às 20:23

Boa Seara. Estava em terra e tuas remadas acompanhavam perfeitamente com as do ilustre João.
Parabéns e Bora continuar a treinar!

    historiasderemador · 27 de novembro de 2022 às 20:24

    Temos que treinar o Dois Sem “F”

      Mario · 27 de novembro de 2022 às 21:59

      Vamo lá. Pego qualquer oportunidade de remar, ainda mais um 2 sem que é um desafio.Abraço!

Antônio farias filho · 28 de novembro de 2022 às 05:03

Parabéns Neto pela Prova e pelas Belas Crônicas que tens escrito. VC é D+ da média. Agora quanto ao voga de um double sentirse remando um skiff, podemos construir várias hipotéses…KKK!!!

    historiasderemador · 28 de novembro de 2022 às 10:53

    Chacrinha, o maior comunicador que já tivemos dizia: “Eu vim para confundir e não para explicar”. O importante da resenha, é esticá-la ao máximo! Mesmo que o alvo seja o próprio comunicador.

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