Quem com ferro fere

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Recebi o comunicado oficial do Prof. João através do grupo de WhatsApp, para comparecer ao GPA, às seis horas da manhã, no sábado, onze de março de dois mil e vinte e três, a fim de cumprir de forma natural ao treino, antes da Regata Festiva em comemoração aos cento e vinte nove anos da Federação, a REMOSUL.

Não treinei na sexta-feira, para poupar o meu corpanzil de grilo, de modo a fazer bonito na Regata. Duas provas foram disputadas, Four Skiff Feminino, quatro atletas com dois remos cada uma, e o Oito Masculino, cada remador com apenas um remo.

As guarnições escolhidas por sorteio, compostas de forma mista, com atletas dos clubes ACARES, GPA, União e Vasco da Gama (de Porto Alegre, RS), misturados entre si, com idades variadas, adolescentes e até remadores master com mais de oitenta anos.

A largada aconteceu no canal entre a Ilha do Pavão e a Rodoviária de Porto Alegre, em frente a sede do Grêmio Náutico União. A chegada das provas ocorreu na sede da Federação, no Parque Náutico Alberto Bins.

Sem querer desmerecer a Regata, devo retornar ao treino que a antecedeu, muitos fatos e acontecimentos precisam ser registrados. Assistam ao vídeo da transmissão da Regata ao final deste texto.

Eu gosto de escrever estas crônicas semanais. Sempre dou um jeito de criar uma pauta, se não interessa ao leitor, pelo menos a mim me agrada.

– Eu não perco as Histórias de Remador desta semana por nada.

Palavras sentenciadas na cozinha do GPA, um dos locais mais concorridos do Brasil, me soou como uma ameaça Viking, mas no fundo me serviu ainda mais como fonte de inspiração.

O Prof. João deixou de lado a benevolência do sábado passado, aquele da crônica Eu vou morrer, e aplicou o treino quatro tiros de setecentos metros. Para quem não sabe, tiro na linguagem do Remo, é sinônimo de pega, disputa, racha, ou seja, competição interna. E afirmo, perder para um colega de Clube, é pior do que perder para adversários. Os colegas vemos diariamente nos treinos, e aquele olhar maroto de soslaio, silencioso, com uma vírgula sutil de sorriso no canto da boca, incomoda muito. No café tudo se resolve e todo mundo é amigo.

– Seara, pega o Skiff.

Lá fui eu, garboso em cima daquela linha esguia que é um Skiff, cortando a água espelhada, em direção a antiga raia de dois mil metros, na foz do Rio Gravataí.

Para quem nunca foi remador de Skiff como eu, manter o barco equilibrado, sem arrastar as pás dos remos na água, no retorno da remada, é motivo de muito orgulho, merece até manchete de primeira página. Seara Neto, dez remadas sem raspar.

Aquecimento progredindo, aumentando a força, barco fluindo. Imaginem todas estas palavras e ideias escritas até este momento, serem pensadas e compreendidas em menos de um segundo. Impossível, diria o leitor. Impossível, afirma este falso escritor.

Eu terminei uma remada perfeita, o barco equilibrado os punhos dos remos na mesma altura, encostados nas costelas. Uma avalanche de pensamentos, fatos, cores se desenrolou numa fração de segundo.

Um estrondo quase vulcânico de plástico se chocando, invadiu meu ouvido de boreste[1]. A cabeça conseguiu girar levemente para identificar como o Vesúvio havia entrado em erupção aqui em Porto Alegre.

Não era um vulcão, não havia lava incandescente escorrendo, mas sim, era um edifício cilíndrico construído em plástico, representando quilômetros de altura, ao ponto de criar um eclipse total no Sol que surgia.

Algo me dizia que aquilo era uma boia. Mas quem foi o infeliz que a colocou ali, há tanto tempo, mas não me alertou segundos antes? A cabeça não havia se virado por completo ao bordo do ataque surpresa, às minhas abraçadeiras de Pearl Harbour, e o inconsciente ágil já gritava:

– Homem ao mar. Leia-se Homem ao rio.

Notem que já são parágrafos para descrever a cena, lógico que para aumentar a angústia e curiosidade do leitor, mas é uma tentativa para tentar descrever a relação entre quantidade de informações ocorrida num espaço tão pequeno de tempo.

Certa vez no Chile, andava numa bicicleta doble com um grande amigo. Sofremos uma queda numa via costeira muito movimentada. Assim que percebi que havia beijado o asfalto, levantei a cabeça, para ver se nenhum veículo me atropelaria.

Quando caí n’água, tive a mesma reação da queda da bike, levantei a cabeça, lógico que não procurava nenhum veículo anfíbio no rio, mas sim remadores que outrora se divertem com crônicas escritas por este gaiato, e agora, ansiosos para registrar minha barbeiragem.

E tinha, sempre tem. No meio do oceano, você remando sozinho, tem. Surgem de dentro da barriga de uma baleia, ou remando de forma anônima nas costas de um tubarão branco, mas tem.

Para não esticar demais esta aventura, na lancha o solicito Prof. João percebeu amigos solidários acenando com os braços, entendeu que algum inexperiente senhor calvo, metido a engraçadinho, necessitava de auxilio para desvirar seu barco e prosseguir no treino.

Eu segurando o barco, nadando com as pernas e meias nos pés, auxiliado por um Double Skiff amigo de remadores escandinavos, aguardei alguns instantes a abordagem da lancha.

O professor olhou e sentenciou mais uma verdade que incluí no rol de frases do Remo:

– Boia não se mexe.

Neste momento, lembrei de outra frase que minha avó Rosa dizia, quem com ferro fere, com ferro será ferido.

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https://youtube.com/live/IoiT9oxgTlg

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[1] Lado direito do barco, que olha da parte de trás, ré, para a parte da frente, proa. Para o remador, é o contrário, lado esquerdo.


4 comentário

Berta Helena Moehlecke · 12 de março de 2023 às 20:28

Na história contada. Confesso que tive que rir

Mario · 12 de março de 2023 às 21:29

Bora Seara. Já aconteceu comigo de uma vez engatar numa boia. A vermelha das taquarirasi, inverno frio e muita corrente. O barco trancou subindo o rio, remo borste trancado e o skiff ainda com vocidade girou na lateral da boa e ficou de lado na correnteza. Chegava a ter marila na boia da correnteza. Ninguém pra pedir ajuda fiquei pensando um pouco como fazer para destrancar sem virar. Num estalo tive a ideia de deixar o remo de bombeado na água na pegada e o remo funcionou como leme na água e o barco começou a girar na boia em direção a ponte e fu me equilibrando com o outro trancado ainda na boia e foi saindo e equilibrando e safei. Fiquei alguns minutos rindo da minha burrada e da minha vitória contra meu adversário no cas a boia.
Acontece….
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