AMIZADE E SANGUE NOS OLHOS

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Por Dilermando Cattaneo

Não poderia ter sido mais emblemática a minha estreia em regatas competindo pelo Grêmio Náutico União. Duas vitórias em duas provas (8+ Master A e 4- Master B), que embora tenham tido como adversários guarnições do próprio clube, faziam parte do programa da primeira etapa do Campeonato Gaúcho de Remo 2023.

Desde que voltei a remar, em agosto de 2021 na ACARES (Associação Comunitária Amigos do Remo de Eldorado do Sul), após um intervalo de quase 20 anos, já havia participado e competido em outras regatas (inclusive um Sul-americano de Masters, competindo pelo multicampeão GPA), mas sem ter vencido nenhuma prova. A vitória nunca foi o mais importante desde que iniciei nesse esporte, com apenas 14 anos, mas sempre fui o tipo de remador que necessita do ‘horizonte da regata’ para poder treinar com dedicação, porque se fosse remar apenas por lazer e contemplação, certamente não lograria acordar de madrugada todos os dias e abrir mão de uma série de momentos pessoais.

Em verdade, sempre me classifiquei mais como um remador ‘esforçado’ do que como um bom remador, mesmo treinando muito. As dificuldades e limites que ainda apresento (como a hérnia na lombar que me dificulta o movimento do tronco) e as muitas derrotas e parcas vitórias que obtive quando jovem demonstram que, em condições nem sempre equivalentes em termos de materiais e infraestrutura, o esforço por si só não garante o pódio. Mas demonstram que o remo é, acima de tudo, um esporte coletivo, e a sociabilidade gerada pelo esforço conjunto, o enfrentamento das adversidades e o compartilhamento cotidiano dos primeiros momentos do dia e dos primeiros raios de sol criam relações de amizade profunda, e fortalecem aquilo que chamamos de ‘remo raçudo’, onde nem sempre é a qualidade ou o resultado que se sobressaem.

Acontece que, quando a raça e o esforço encontram condições melhores de treino, e quando a amizade instiga a dialética entre cooperação e competição (e com ela as saudáveis provocações) é possível trazer o barco de volta à rampa com o sorriso (e o cansaço) da vitória. Há exatos 30 anos atrás havia vencido uma prova pela primeira vez, no Rio Jacuí, em Cachoeira do Sul, competindo um Gig Estreante pelo Clube de Regatas Almirante Barroso. Depois disso, apenas algumas vitórias em Gig’s e Canoes, competindo pelo Clube de Regatas Vasco da Gama de Porto Alegre, ao longo dos anos 90. E há exatamente dois anos atrás eu enfrentava de forma feroz o vírus da Covid-19, antes das vacinas, o que me deixou bastante debilitado na época, e em certa medida me fez perceber que era hora de cuidar da saúde e voltar a praticar o esporte que tanto amamos.

O simbolismo da situação só não é maior porque não há mérito individual e trata-se de apenas mais uma regata. Mas é simbólico porque, no caso da prova do Quatro Sem, planejamos cada detalhe da estratégia de prova, dialogamos sobre a voga, a passagem, a largada, a reta, o que fazer em caso de imprevistos, enfim, absolutamente tudo, afinal nossos adversários eram duas fortíssimas guarnições, mesmo sendo compostas por nossos amigos.

E aí vem um aspecto que vale mais que as vitórias e medalhas: sempre remamos com a amizade no peito, com profundo respeito pelos adversários e com muita humildade… Mas sempre com sangue nos olhos!

Categorias: Crônicas

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