A Volta do Lages

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Os meses de abril e maio são os melhores para remar, pelo menos no Sul do Brasil, temperaturas amenas e pouco vento. A minha expectativa das noites de sexta-feira para chegar ao Clube antes do amanhecer de sábado, equivale a de uma antevéspera de Natal para uma criança.

Na década de oitenta, os treinos fortes da semana aconteciam aos domingos, hoje em dia são aos sábados, quando os compromissos profissionais são menores e podemos desfrutar tempos maiores dentro d’água.

Neste sábado repetimos a temida Volta do Lages, em torno da Ilha Grande dos Marinheiros em Porto Alegre. Desta vez minha guarnição foi um Double Skiff com o amigo Pista Uno. Não é qualquer pessoa que tem um companheiro de barco com apelido internacional.

A emoção de remar dez quilômetros até a entrada do Lage, já é uma vitória. O percurso total é de vinte e quatro quilômetros, para atletas master como eu, dura mais de duas horas. Haja lombar para suportar a incômoda posição, sentado em cima do barco, e a carga do empurrão das pernas ao longo da remada.

O ponto alto da travessia, é justamente remar no sinuoso e estreito canal, que ladeia a Ilha do Lage. Precisei olhar no mapa para me certificar do nome. Neste local me questiono se estou em Porto Alegre. O silêncio quebrado apenas pelos cloques dos remos, ou os chuás das pás saindo da água, nos permite ouvir o fluir do barco.

Se pararmos para pensar, a audição é o mais importante dos sentidos a ser desenvolvido pelos remadores. Quando estamos na voga do barco, remamos com o olhar fixo no horizonte. Nas demais posições, temos apenas uma nuca a ser fitada.

Olfato e paladar entram em ação na copa quando acabam os treinos, e o tato serve apenas para perceber se estamos a produzir as indesejáveis bolhas nas mãos.

Na semana passada, com as amigas Ana Vida, Elenice e Dra. Suzi, quando começamos a remar na parte mais reta do canal, sugeri:

– Vamos aproveitar para ouvir o barco.

Quatro pessoas se movendo em perfeita sintonia, uma batida de remos única na entrada e saída destes, comprometidas apenas com o que mais soberano existe no Remo, a sua majestade, o barco. Durante alguns minutos eu apenas remava e agradecia por aqueles momentos.

Confessei a elas logo após devolver o barco para a prateleira num tom de agradecimento, que os pelos dos meus braços se arrepiaram sob as mangas compridas da camisa enquanto ouvíamos o barco deslizando pelo meio do canal. Embora eu tente, é muito difícil transcrever para o papel a emoção sentida.

Hoje, numa guarnição diferente, tive a mesma emoção de remar naquele trecho de mata ciliar avançando para dentro d’água, me fazendo lembrar que ali somos meros visitantes e devemos aproveitar estes parcos momentos disponíveis na atual vida moderna, que a natureza nos brinda de grátis.

Termino estas infindáveis linhas com a esperança de que seja possível fazer mais uma volta do Lages na próxima semana. Quem ainda não a conhece, fica aqui a recomendação.

Em breve bate papo ao vivo no dia 1º de maio às 19h com Daniel Passold Filho e Roque Zimmermann
Categorias: Crônicas

8 comentário

ana maria goidanich fleck · 30 de abril de 2023 às 09:59

Bom dia vida!!!
Gritado em baixo da ponte e agradecendo o dia, a parceria e a oportunidade de estar ali e naquele exato momento.
Aproveitar o aqui e agora e o prazer de remar. Este é o meu lema.
Obrigada por compartilhar a história e a companhia neste “passeio” tão lindo.

Renata · 30 de abril de 2023 às 12:24

Remar é estar em sintonia com o universo, onde meros pontinhos ( nós) temos a certeza de fazermos parte de algo maior.

    historiasderemador · 30 de abril de 2023 às 17:02

    Quando o leitor enxerga mais do que o autor, dá gosto de ler comentários assim.

Acácio · 30 de abril de 2023 às 16:55

Muito legal a crônica, Seara, notadamente no trecho em que aborda o silêncio no entorno da laje/ilha.

    historiasderemador · 30 de abril de 2023 às 17:00

    Só remando para chegar lá!

    Igor · 2 de maio de 2023 às 19:32

    Aqueles canais da Ilha do Lage , Saco da Alemoa … são o verdadeiro “PANTANAL PORTO ALEGRENSE” !! LINDO DEMAIS!! CONEXÃO TOTAL COM A NATUREZA!!

Deixe uma resposta

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese