Remar, uma contradição

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Reza a lenda que Arquimedes, aquele que saiu pelado gritando Eureka, Eureka, é o autor da frase: Dê-me uma alavanca e um apoio, que moverei o mundo, porém, o primeiro cara que usou a alavanca ao seu favor, foi ele, pelo menos é o que dizem.

O remo nada mais é do que uma alavanca. O apoio é a forqueta. No remo são consideradas duas alavancas, a interna, distância da ponta do punho do remo, até o anel que encosta na forqueta, e a externa, distância da ponta da pá, até o anel, que dá suporte ao remo, evitando que este escorregue em direção a água.

Estes pensamentos me ocorreram enquanto tomava banho, pois pensei em comparar os pontos positivos entre remar um Single Skiff e o barco a Oito, mas estes devaneios ficarão para uma próxima oportunidade, esperando que a inspiração apareça. Na verdade, não quero ser xingado pela revisora editorial, com a máxima escreves sobre tudo e acabas não dizendo nada.

O remador não tem vida fácil, uma das etapas mais difíceis da remada, é a pegada. Já descrevi anteriormente que é um tempo que não existe, por tão curto que deve ser. Para simplificar, a pá do remo quando se termina a remada, sai da água em direção a proa do barco. Quando o remador esticou seus braços, curvou seu tronco e dobrou suas pernas, encostando as nádegas, para não escrever bunda, nos calcanhares, súbito a pá deve cair n’água, para empurrar as pernas e iniciar nova remada. A primeira contradição: você tem que pegar na ida. Mas como na ida, se a remada acontece na volta?

Talvez a contradição mor, implícita no contexto, antes mesmo que a citada acima, resida no fato de que estamos de costas para o nosso objetivo, a linha de chegada. Embora o barco ande para frente, parece que estamos indo para trás. Nossa anatomia nos deu os olhos virados para frente, mas quando vamos pegar nova remada, estamos olhando para a ré do barco e nosso corpo andando no sentido contrário ao dele. Vai anotando na lista das contradições.

Voltando a pegada paradoxal, o remo cai n’água com um barco se deslocando. A partir deste momento, o remo precisa servir ao barco. Este ataque como muitos chamam a pegada, não pode ser demasiado forte ao ponto de atuar contra o deslocamento do barco, mas não pode ser lento demais, sob o risco de atuar como um freio.

Quando damos a primeira remada, temos a sensação de estar movimentando a água, mas esta deveria ser o nosso ponto fixo, entretanto, por ser fluída, a pressão da pá, acaba por movimentá-la também. A remada para ser eficiente, deve deslocar o barco, e não a água. Mais uma para o rol.

Eu poderia tentar falar da anatomia do nosso corpo e as alavancas que utilizamos, as pernas em relação ao pino da forqueta, os braços em relação ao quadril, mas deixo para os especialistas que estudam com minúcias este tema, preferindo encerrar o texto com uma pergunta, baseada numa frase muito comum na internet, como levar uma pessoa a sério, que se acorda as cinco horas da manhã para remar, se remar é uma contradição?

Agradecimentos a Francine Evaldt pela imagem


22 comentário

Paulo · 24 de junho de 2023 às 21:35

A remada nunca termina…

Joaquim Ameba · 24 de junho de 2023 às 22:27

“Prafrentemente, pratrasmente”, deu um nó aqui no vão entre as orelhas, mas remei junto.
Fantástica crônica.

Seara Pai · 25 de junho de 2023 às 02:33

Belíssima narrativa Lindas imagens!!!!!!!!!!!!!!!!!

FRANCINE EVALDT · 25 de junho de 2023 às 08:53

Faz-nos refletir com teus textos…
E me peguei pensando nos paradoxos da minha vida.
E me vi gostando mais de esportes que vão sempre de costas (remo e nado costas)…

    historiasderemador · 26 de junho de 2023 às 17:42

    A tua imagem parece que foi feita para ilustrar este texto. Mais importante do que encontrar respostas nos textos que lemos, é quando eles nos fazem formular perguntas que ainda não havíamos feito. É isto que me motiva a escrever e ler, ou ler e escrever.

Sandra Regina da Silva Cayres Berber · 25 de junho de 2023 às 09:45

Enquanto lia a crônica, imaginava meu pai, Sady Cayres Berber, com seus pouco mais de 1,70m remando num barco com 3 “gigantes” com mais de 1,80m, tendo que acompanhar o ritmo da pegada. Uma técnica difícil de superar! Não dá para esquecer também de seu grande amigo no Remo, Ernesto Tremel, que inventou de colocar um espelho para tentar observar para onde estava indo enquanto remava. Segundo suas filhas, esta técnica não dava muito certo.😁

Linda imagem desta competição! Parabéns pela crônica, Seara Neto!

    historiasderemador · 26 de junho de 2023 às 17:45

    O Sady foi um caso que merecia ser melhor estudado, do ponto de vista fisiológico. Além da técnica que ele tinha, nasceu com uma condição cardiovascular diferenciada, aliada a força e resistência muscular.

Acácio · 25 de junho de 2023 às 10:06

Que linda reflexão, Seara!

Priscila Barreto · 25 de junho de 2023 às 16:08

Mais preciso impossível! Essa “pegada rápida” me persegue, ou será que sou eu que persigo ela 🤔
Eu

Dilermando Cattaneo · 25 de junho de 2023 às 16:22

“Remando para frente, olhando para trás”…
Das (muitas) dialéticas que nosso esporte proporciona, tenho refletido sobre o ‘empurrar’ (com as pernas) e o ‘puxar’ (com os braços). Se é verdade que o remo é um esporte mais do ‘empurrar’ do que do ‘puxar’, demonstrando que as pernas são a principal força da alavanca, o que explica que os para-remadores da Categoria PR1 (como o Renê Pereira e o nosso Igor), que usam apenas o braço e o tronco, façam 2000 metros em menos de 10 minutos, apenas 3 minutos (às vezes nem isso) a mais do que os principais singlistas olímpicos???

Suzana Zelmanovitz · 25 de junho de 2023 às 18:15

Remo, um esporte difícil e desafiador, mas ao mesmo tempo delicioso e inspirador de crônicas como as tuas Seara

Sergio L Fleck · 27 de junho de 2023 às 13:27

Isto me lembra a resposta que o marceneiro deu a quem lhe pediu emprestado o serrote: “se vai-vem fosse e voltasse, vai-vem ia. Mas como vai-vem pode não voltar, vai-vem não vai”.
Adaptando a crônica: “se o vai-vem não faz, vai-vem não vai bem. Mas se o vai-vem só vai e vem, vai-vem não sai do lugar”.
É em tom de brincadeira. Mas se prestar atenção no significado, é o que sempre me dizem: “não adianta correr o carro (vai e vem) como louco e não ter a remada/passada efetiva. Gira-gira e desloca pouco”. Correto?
Parabéns a Francine Evaldt pela imagem. Sensacional!!!!

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