Narrar ou remar, uma resenha por escrito

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Dia de regata na Ilha do Pavão começa cedo, quando saí de casa, o sol dava sinais da sua preguiça para nos aquecer neste sábado que amanheceu muito frio. Estacionei meu carro na parte da frente do Clube, muitos atletas ansiosos pelas disputas, já estavam no GPA. O giro de algum remoergômetro podia ser ouvido assim que entrei na garagem. Há quem não participe da competição, mas segue sua rotina de treino cedo, para depois pegar a balsa até a sede do União.

Um murmúrio quebrado por gritos, risadas complementa o panorama sonoro, que se mistura com o cheiro do café. Não sei se é por estar antes da copa, mas o mural logo após a entrada, é o ponto mais concorrido, cada um que chega, sabe as provas e seus horários, mas sempre dá uma olhada na escalação com o receio remoto de ter sido substituído, lógico que isto é difícil ocorrer, salvo por algum motivo de força maior, não conseguindo o atleta contribuir com a equipe.

Durante a semana que antecedeu a regata, me veio este título desta crônica, e confesso que ela já estava pronta na minha cabeça. Resolvi controlar a ansiedade, sem perder a inspiração, para escreve-la agora, já descansado e embalado pelo champanhe borbulhante vitorioso, ou do amargo intragável da derrota.

Fui escalado para remar o Oito Master E, acima de cinquenta e cinco anos. Como de costume, assumi a proa. Acompanhar o ritmo da guarnição, para mim, é quase tão automático quanto caminhar, basta ouvir o primeiro tchap do remo entrando n’água uma vez, que a cadência entra no sangue e a remada flui.

Roennau, De Carli, Donádio, Prof. João, Rigatto, Elton, Mário e eu, comandados pelo jovem Thalis:

– Remo no final, saaaai.

Oito senhores obedecendo ao menino que cada vez mais nos lidera, ansiosos para fazer força, ou como diz o professor, para o combate!

Antes de uma regata, todo mundo treina a saída. Atenção, todos prontos? Sai. O comando para partir logo após a pergunta, é muito rápido. Isto ocorre para que não tenhamos tempo de responder que falta apertar a forqueta, o finca-pés, ou dar aquela ultima expirada no ar para aliviar a tensão. Na verdade, nunca estamos prontos, mas o rigor da disputa não permite vacilos, o famoso dar mole.

Ensaiamos algumas partidas e meu parceiro de treino Mário, a minha frente, deu uma escapada de remo, de fazer chuá. Isto é o oposto de uma enforcada, quando a pá do remo afunda e o seu punho, acaba por enforcar o vivente.

Nestas horas, devemos falar o mais baixo possível, da maneira mais suave, quase cochichando no ouvido do colega, a fim de lhe passar confiança.

– Relaxa Mário. Vai de boa.

Ele foi, mas os adversários não estão ali para sorrisos, se mostram os dentes, é porque estão cerrados fazendo força para nos ganhar. Em terra nos abraçamos, nos elogiamos, mas dentro d’água, o respeito é o que dita a norma, e esta diz, força!

 O União é conhecido por ter guarnições muito fortes, e desta vez não foi diferente. Na voga do barco adversário, ninguém menos do que o Cabeça, não escrevo o nome dele, porque Marcelus Marsili já virou seu apelido. Vários outros amigos e meu eterno algoz, Mário Dias compuseram a guarnição.

O vento sul parecia que estava aumentando, resolveu dar uma pequena trégua, mas estava contra. Largamos forte, e o combinado era de tentar assumir a dianteira e entrar no famoso remadão, longo e cadenciado. Assumimos a liderança da prova. Trinta remadas, entra na voga de percurso, para os mais jovens e mais fortes da ré do barco, estava dominado, mas para o velhinho da proa com seu motor um ponto zero, sempre é giro alto. Passa uma boia, passa a outra, e nada da chegada chegar. Última boia, os caras são ranhetas e começam a levantar, subir a voga. É o final, aquela reserva do além é solicitada. As pernas queimam, o pulmão bufa. O coração bate no peito, na cabeça, na ponta do dedão, mas a morte só é permitida após a linha invisível de chegada. De repente uma buzina. Sim. Vencemos. Soltei um grito oco, não sei de onde veio ar.

Recebi o abraço virtual da minha mãe, através da Renata, minha fiel cunhada e torcedora declarada do GPA, enquanto ela conferia a transmissão das provas narradas com maestria pelo presidente da Remosul, Werner Höher. É duro eu admitir em público, mas assisti-lo no comando do Canal ao vivo, é muito melhor do que quando eu estou fazendo.

Como de costume, gosto de encerrar estes meus textos de maneira inconclusa, quase sempre com uma pergunta, lembrando que no ano passado me esforcei para iniciar estas transmissões ao vivo, criando assim um bom hábito junto com vocês que me acompanham, para trazer o Remo para mais perto de nós, qual a parte que mais me agrada, narrar ou remar?

Dedico esta crônica ao meu pai, que está com 81 anos, lutando contra as vicissitudes da vida, sempre com seu peculiar bom humor.

Comenta aqui embaixo, basta preencher o seu nome e e-mail, o URL pode deixar em branco.

Categorias: Crônicas

10 comentário

Mario Richter · 27 de agosto de 2023 às 08:07

Boa Seara e parabéns e apesar de saber e na hora nem saber que estavas na proa, foi muito bom competi nesse 8 só com feras. Agradeci ao João por ter me colocado neste barco e ouvi dele que só estava ali por que estava treinando para isso e merecia o esforço. Então me mem nos pensamentos que apesar de nossa idades. Eu ano que vem já remando barcos categorias G, que para estar remar barcos melhores temos que nos sacrificar nos treinos. E como é importante a dedicação no esporte. Nada vem fácil, mas hoje eu tenhoi a satisfação de estar embarcado com vocês ontem neste oito muito rápido. Eu o mais idoso por assim dizer acompanhar e forçar cada remada até a chegada que não chegava nunca. E hoje fica para sempre a imagem de todos que estavam naquele barco e que se esmeraram até o fim. Parabéns a todos atletas que estavam nas 2 guarnições Ao União e ao GPA. Somos exemplos para aquela gurizada que fica torcendo por nós. Obrigado Seara pela parceria…

Carlos Bedê · 27 de agosto de 2023 às 09:03

Pelo visto são prêmios em cadência. O texto sobre ganhar a disputa no master e o prêmio em si. Risos. Parabéns. Forte abraço.

    Werner Günther Höher · 27 de agosto de 2023 às 09:13

    💪🚣🏼‍♂️💨💨💨

Dilermando Cattaneo · 27 de agosto de 2023 às 11:45

És um grande remador e narrador! Nosso grande comunicador do remo brasileiro.
Parabéns pela vitória, foi muito bonita, o barco estava muito bem remado.

Rogério Antônio Roennau · 27 de agosto de 2023 às 21:20

Foi uma magnífica prova e significativa vitória, principalmente considerando os contratempos climáticos e a qualidade dos adversários!

    historiasderemador · 27 de agosto de 2023 às 21:45

    Muito bem observado

    Mario Dias · 31 de agosto de 2023 às 21:05

    Teus textos são espetaculares, amigo Seara. Fácil se sentir no ambiente que tu crias com as palavras. Parabéns pelo talento! E parabéns pela vitória! Ser chamado de “eterno algoz” não se justifica, rss… Fomos atropelados pelo talentoso 8+ gepeano. Largamos forte, mas quando olhei para o lado… Ué, cadê os caras?! rss Bela prova. Como todas as outras que temos, GNU e GPA, protagonizado 👍

Sergio L Fleck · 28 de agosto de 2023 às 12:30

Parabéns Seara. Muito boa tua narrativa, criando clima desde a chegada no clube e ao longo do dia. Mas a descrição dos preparativos e da prova em si estão excelentes. A gente consegue se sentir dentro do barco.
Parabéns tbm pela vitória!!! Abração!

Mario Dias · 31 de agosto de 2023 às 21:05

Teus textos são espetaculares, amigo Seara. Fácil se sentir no ambiente que tu crias com as palavras. Parabéns pelo talento! E parabéns pela vitória! Ser chamado de “eterno algoz” não se justifica, rss… Fomos atropelados pelo talentoso 8+ gepeano. Largamos forte, mas quando olhei para o lado… Ué, cadê os caras?! rss Bela prova. Como todas as outras que temos, GNU e GPA, protagonizado 👍

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