Sentar e conversar. Sentar e remar

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Um dos maiores troféus que a minha família ganhou no Remo, foi a nossa amizade com o Hugo. Muitas vezes demoramos a perceber e entender o grau de importância que coisas pequenas tem. O dia a dia vivido de forma intensa durante quase seis anos praticando o esporte, foi sendo acumulado numa poupança, usufruída hoje em dia já mais maduros.

Um amigo é aquela pessoa que sentimos falta quando distante, mas basta uma aproximação e não se nota nenhuma distância ou hiato de tempo, basta sentar e conversar que o primeiro assunto em pauta, nem sempre é a continuação da última conversa, mas está sempre atualíssimo.

Eu viajei de Porto Alegre até a minha cidade natal, Floripa, só para reencontrar meu amigo e voga Hugo. Não posso precisar se foram mais de dois ou três anos do ultimo encontro, conectados apenas por conversas telefônicas esporádicas.

A ideia era uma remada neste sábado, no Dois Sem Timoneiro, barco que ele aceitou comigo, o desafio proposto pelo professor Joel Cardoso, lá em mil novecentos e oitenta e um, para tentarmos fazer aquela casquinha, andar em linha reta.

Para nossa alegria, um churrasco do tipo cada um leva a sua carne, foi combinado no Aldo Luz, a partir das dezoito horas de sexta-feira. Confesso que fiquei receoso, pois os treinos de sábado, costumam ser mais volumosos e demorados, para jovens de cinquenta e oito anos, o esqueleto já não comporta mais dormir tarde e acordar cedo. Ainda bem que o chopp acabou rápido. Quando sobra no barril, é sinal de que já molhou demais nossa palavra.

Devido a uma falta de luz, o lance, aconteceu na sede dos Veleiros da Ilha, o que me permitiu uma visão privilegiada da água espelhada da raia da Baía Sul. A remada prometia ser prazerosa nestas águas calmas. Não foi bem assim. O vento sul começou a soprar fraco a partir das sete horas, mas não estava com cara de que aumentaria.

Antes dele chegar ao Brasil, nos questionou:

– Será que vamos conseguir remar um Dois Sem? Um barco tão técnico!

Eu respondi, basta sentar e remar.

Quem conhece Floripa e já remou entre as pontes, sabe que o vento sul mexe a água, e dá um balanço lateral chato. Tudo que os velhinhos não precisavam. Para ajudar, o leme não estava girando no meu pé, ficando fixo. Acertar a reta somente com os remos.

Saímos remando somente braço e tronco em direção ao Balneário. Aquele cara de pele muito branca e cabelo amarelo de sol, agora era um cara com mais sardas com cabelo escuro. Diz que não tem tinta, eu fico quieto, nem falo, nem escrevo nada.

Sob a majestosa Ponte Hercílio Luz, começamos a mexer o carro somente até a metade, o balanço das ondas sempre fez parte de nossas vidas. Eu olhava para os movimentos dele, e parecia que estávamos conversando o mesmo assunto do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, última vez que tínhamos subido ao Dois Sem.

Aos poucos fomos nos soltando e mexendo o carro, flexionando e estendendo as pernas na totalidade. A remada sempre encaixada, algumas trancadas da minha parte. Não estava vendo o seu semblante, mas imagino que seu rosto não se contraía. Ele nunca fazia careta, mas o remo dele sempre passou rápido dentro d’água. Acompanhar seu preparo físico, sempre foi a minha luta. O que mais marca a sua remada, é uma falsa queda para boreste, com aquela pá saindo limpa e de forma suave d’água, dando fluidez e continuidade ao barco.

Vez ou outra, eu me virava para a proa para manter o barco dentro dos limites estabelecidos para serem remados na raia do Balneário até a Ponta do Leal. Ali demos uma parada para um gole d’água e trocar alguma palavra falada. Eu me lembrando de um treino a noite que fizemos na semana antes do Campeonato Brasileiro Universitário. Nós dois sozinhos numa água espelhada. No retorno, ele dá um grito repentino, levando a mão até a região lombar. Uma contratura. Cada um segurando o seu remo. O que fazer? Como voltar até o Clube sem mexer o carro? Foi difícil remar mais de dois quilômetros movendo somente os braços, mas ao final, tudo deu certo, inclusive a vitória em São Paulo.

Ainda aproveitamos um Quatro Com que já estava na água, acrescentando o presidente Mesquita e o Mafra lutando contra as dificuldades da articulação do quadril, para mais uma remada, me lembrando do Quatro Sem Peso Leve, mas este barco são outras Histórias de Remador.

Encerro estas linhas com o coração massageado e os olhos cheios d’água, esperando pelo próximo papo, não sei se em águas brasileiras ou internacionais, tampouco daqui quanto tempo, mas torço para que seja breve.


16 comentário

Hugo · 24 de setembro de 2023 às 08:22

Ainda que eu tivesse as palavras para descrever minha alegria pelo reencontro, não tenho o espaço, porque precisaria escrever no mínimo uma outra crônica. Ao lado da alegria pelo reencontro ontem, o prazer de acordar hoje e ler esta bela crônica é imenso. Tb sinto o esqueleto cansado e os olhos molhados como meu amigo e proa Seara Neto, e a saudade dele e sua maravilhosa família me acompanharão sempre! Até breve!

    historiasderemador · 25 de setembro de 2023 às 08:47

    Note que esta página foi criada pela união dos substantivos Histórias no plural e do substantivo Remador, aqui escrito no singular, mas como o que vale são as histórias, tanto faz se a narrativa é de um ou mais remadores. A preposição “de” é indefinida e vale para qualquer gênero, e também para o autor, podendo ser um anônimo como o Carlos Ariosto. A preposição tem a função de unir os dois substantivos. Será um prazer publicar uma crônica tua. Será uma honra!

Carlos Eduardo Santiago Bede · 24 de setembro de 2023 às 09:00

O bom, ou até o MELHOR do reencontro é mais forte do que o quê se viveu. Amizades e objetivos em comum são com o barco. É preciso ter duas pessoas, acertar o rumo e a conversa, convivência, o contexto, segue tranquilo o rumo. Parabéns aos amigos, antes de tudo.

Acácio · 24 de setembro de 2023 às 09:13

Linda crônica, Seara!

Além da homenagem ao Hugo, fizeste um relato sensacional acerca de uma das muitas belezas de nossa cidade.

Adriano Miranda · 24 de setembro de 2023 às 09:15

Foi um encontro de amigos de longos anos.
Uma noite memorável e super agradável rever meu amigo Seara Neto, Hugo e tantos outros que compareceram no churrasco.
Muito obrigado pessoal por estar presente com voces e poder fazer parte dessa família chamada Clube de Regatas Aldo luz.

Mario Richter · 24 de setembro de 2023 às 09:18

O Seara pelo que vejo sempre está querendo sair num dois sem aqui no GPA. Já saímos para treinar uma ou duas vezes mas ele persistente acho que está procurando um companheiro a altura, porque já saiu com com pelo menos três res remadores diferentes. Com nossa idades achar alguém para competir neste barco não tem muitas opções mas garanto que ele vai achar um sessentão que não corre o carro.
Abraço Seara

    Choxo9 · 24 de setembro de 2023 às 13:34

    Parabéns pela prosa e pela amizade. Show

    historiasderemador · 25 de setembro de 2023 às 08:35

    Todas as remadas são aprendizados! A idade é só mais um detalhe no barco. Vamos em frente, sempre é possível remar um Dois Sem, vale a pena!

Joaquim Ameba · 24 de setembro de 2023 às 23:39

Outra vez fiquei aqui, imaginando tu e o “Cobaia”, puxando o barco para a renovada ponte Hercílio Luz que, para vocês, nunca ficou fechada.
Que passeio intrigante e curioso.
Não para de remar tua escrita por aqui, do contrário, deixarás ávidos leitores completamente órfãos e à deriva.

Cláudia · 25 de setembro de 2023 às 17:54

Neto,
Muito lindo o que escreveste. Tua amizade com Hugo é algo precioso. Que vocês tenham muitas aventuras pela frente.

    historiasderemador · 27 de setembro de 2023 às 16:12

    Oi Cala. As vezes precisamos estar longe para perceber quão próximos somos.
    Espero juntar estes textos e outros que estão sendo produzidos, para publicar num livro em 2024.

Deixe uma resposta

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese