Copo meio cheio ou meio vazio

Publicado por historiasderemador em

Barco escola Grêmio Náutico União

Por Cesar Seara Neto

No ano de dois mil e quatro, inspirado no que eu lia nos jornais, resolvi me matricular no curso de Economia. Não consegui concluir, mas a ideia era cursar uma ou duas disciplinas por semestre no turno da noite, de forma econômica para não comprometer o orçamento.

Uma das matérias me chamou a atenção, algo como Método da análise econômica. Logo pensei que se tratava de uma matéria que lidava com números. Negativo. O professor era teólogo, mestre em Filosofia. Nada melhor do que a Ciência das Ciências, para auxiliar no entendimento de qualquer coisa, em especial o pensamento daqueles que influenciaram as Ciências Econômicas, ou não! Já diria Caetano.

Os textos utilizados como base, eram quase todos extraídos dos livros dos filósofos consagrados no Ocidente, Hegel por exemplo. Tudo ia bem quando o Mestre disse que o NADA era algo. A minha buzina soou na hora, reprovando o calouro que tentava me dizer o contrário do que eu pensava saber, nada é nada! Nada não é algo. Você está confundindo o nada com ausência de matéria, o vácuo, ele completou seu argumento me convencendo: se o nada pode ser pensado, então ele é algo.

Confesso que desde então acredito nisto, mas até hoje eu não consegui colocar a mão no nada, o que me deixa de certa forma crédulo, mais por falta de argumentos, do que por convicção. Cheguei a ser presenteado pela minha amada com o caríssimo O Ser e o Nada, do Sartre, sorvido durante longos seis meses, com toda a calma e tranquilidade que este livro merece.

O nada continua sendo uma grande confusão na minha cabeça. O Barão de Itararé define o nada como uma faca sem lâmina que perdeu o cabo. Mais fácil não?

E quando o copo está servido até a metade, para mim ele parece meio vazio, pois ainda há a possibilidade de ser completado. Para os otimistas, ele está meio cheio, mas a minha visão, não quer dizer que eu seja pessimista.

O atual estado do nosso Remo, o esporte mais completo de todos, o que nos permite admirar cada detalhe da remada, é algo que sempre comparo ao copo pela metade. A parte vazia é composta pelos nossos sonhos, nossos anseios pelas boas histórias que poderão ser vividas. Poderia ser também, os barcos sem uso nas prateleiras.

E a parte cheia? Seriam nossas mazelas, frustrações, desentendimentos movidos pelas cores da paixão clubística? Ou seriam os troféus conquistados, as medalhas guardadas numa gaveta? A parte cheia pode ser também um desafio a ser vencido, como beber o meio copo num gole só, dando espaço para um copo inteiro, totalmente vazio, sedento por mais.

Podemos atribuir inúmeras interpretações a esta metáfora do meio copo ao Remo, mas eu prefiro olhar a parte vazia, como sendo o ar que pode ser respirado, ou substituído por mais líquido.

Todas as teses levantadas são pontos de vista de quem as olha, e não se pode falar de forma singular, quando tratamos de possibilidades. Não pretendo entrar no campo quântico e seu princípio de que somos infinitas possibilidades, mas busco junto aos demais apaixonados pelo Remo, que exercitem a sua criatividade, e permitam que novas pessoas cheguem, pratiquem e admirem o mais belo de todos os esportes.

Na foto: Marcelus Marsili, o Kabeça, sozinho, manobrando o barco escola do Grêmio Náutico União, 2023. Créditos: REMOSUL


6 comentário

Carlos Eduardo Santiago Bede · 1 de outubro de 2023 às 00:52

Chico já musicava que é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar, e que o ar ocupa um lugar qualquer com alguma resignidicação que lhe dê sentido ou razão. Já Sartre, menos metafísico, e mais existencialista irá dizer que “O mais importante não é o que fizeram de mim, mas o que eu faço com o que fizeram de mim.” Neste sentido, brincando sim, o remo é isto, um esporte que transforma o indivíduo em um ser diferente, não o preenche, pois não é o fim, é um começo, que determina um momento, que se explica num contexto, que é absoluto naquele instante e logo depois já é outro momento.

Malu Aronis · 1 de outubro de 2023 às 09:40

Mais uma excelente crônica, Seara. Parabéns pela consistência e pela regularidade. O nosso esporte agradece! PS: o nada também poderia ser definido como um skiff sem um singlista disposto à domá-lo : )

Sergio L Fleck (Pai Vida - GPA) · 9 de outubro de 2023 às 10:31

Seara, parabéns pelo texto. Filosófico, polêmico, por isso interessante. Dá o que pensar, pelo menos enquanto se rema conseguindo ouvir os pensamentos. Ou num bom café depois do treino. Assim, gosto de pensar que o espaço vazio é algo que podemos escolher o sentido: ou é uma oportunidade e, por isso, uma motivação em direção a tudo que ainda podemos ser, ou uma frustração pelo que não (parece) conseguimos ser. Mas, importante nunca esquecer de onde saímos, de que tudo teve um início, sempre na condição de um copo vazio. Nesse sentido, a metade é bastante coisa.

    historiasderemador · 9 de outubro de 2023 às 10:51

    a melhor parte do Remo são os amigos, para filosofar em cima do nada, ou até mesmo de um copo, meio cheio ou meio vazio, de café ou de outras coisas tão agradáveis quanto.

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