Um pediculoso na proa

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Por Cesar Seara Neto

O Remo Master é caracterizado pelo compromisso que os seus praticantes tem com sua própria saúde, diferente do Alto Rendimento, voltado para as competições. Quem lê a frase assim nua e crua, pode pensar que os velhinhos fogem da raia, pelo contrário, o que eles mais querem são as Regatas. Ai da Federação se não há provas para nós. Competir é prazeroso e interessante, treinar é necessário. Não consigo precisar quantas centenas de horas treinamos para cada minuto de competição.

É sobre os treinos que pretendo versar hoje. Ainda que o plano do treino de hoje, seja idêntico ao de ontem, cada dia remado é diferente. A água está de um jeito, o vento, nós também temos os dias bons e os não bons. No GPA, onde eu remo, o chefe João procura compor as guarnições reunindo semelhantes em idade, experiência e em especial pela dedicação aos treinos.

Há os dias que não dá água, reunindo mais de uma dezena de jovens maduros de cabelos brancos, lado a lado nos temidos remoergômetros, ali, onde a criança chora e a mãe não vê. Quando a planilha indica treino intervalado por tempo, é algo bonito de se ver. Todos remando sincronizados na mesma voga, fazendo o giiiiii das máquinas soar como uma orquestra sinfônica.

Confesso que muitas vezes a vontade é não fazer o treino, mas sempre tem aqueles parceiros que nos incentivam. São eles que sempre estão a nos apoiar, da mesma forma que TENTO os apoiar. Este texto sobre os treinos, não tem sentido se não ressaltar a devida importância destes protagonistas incansáveis que não desistem e nos contagiam com sua perseverança.

Eu sempre remei na proa dos barcos. Nesta posição, temos o privilégio de ver toda a guarnição à nossa frente. Também é o proa o primeiro a cruzar a linha de chegada, mas se estamos atrás, não faz diferença alguma.

Esta visão ampla, geral e irrestrita, embora não seja anistia, acaba nos dando uma falsa noção de domínio ou de senso de propriedade do barco. Parece que o simples fato de termos sob a guarda dos nossos olhos toda a guarnição, nos dá o poder de sairmos do barco, como se fossemos um drone filmando a nós mesmos. Não. Somos apenas mais uma peça do conjunto, que interfere e depende das outras, para se unir e se tornar uma coisa só.

O ano ainda não encerrou, as competições oficiais para nós Master, sim. Este fato me fez lembrar daqueles que dividem os treinos comigo, com a mesma vontade de fazer o barco andar, com precisão, leveza e agilidade. Esta busca inglória pela remada perfeita, nem sempre é um processo agradável, podendo muitas vezes provocar desconforto no barco. A tentativa de aproximar as remadas, ao ponto de se encontrar a sintonia única, deve ser algo natural, como o próprio deslizar do barco sobre a água, e não algo narrado por um pediculoso[1] na proa, que deveria estar poupando energia verbal e transforma-la em cinética a favor do barco, (Cala a boca e rema!).

Escrevo estas linhas ante a minha imagem refletida ao espelho, e o que enxergo é o eterno aprendiz tentando dizer, como uma forma de agradecimento e desculpas ao mesmo tempo, aos amigos que me aguentam e me toleram pelo simples fato de acreditar na utópica remada perfeita, assim como eu, esticando ao máximo sua paciência e me proporcionando sempre o aprendizado, porém, ainda falta muito para mim.


[1] Pediculoso, adjetivo criado pelo autor: daquele acometido de pediculose causada por Phthirus pubis, mais conhecido como chato.

Categorias: Crônicas

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