Stille Nacht

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

Meu avô Cesar faleceu no ano de 1971 aos sessenta e três anos de idade. Saiu de Florianópolis para se formar Engenheiro Agrônomo na Capital Federal, então Rio de Janeiro nos anos trinta. Lá conheceu muitos nomes importantes das letras e da crônica esportiva. De volta a Florianópolis, se casou com a Zilma, para mim, Vó Tuna.

Ao final da década de quarenta, o vô retornou ao Rio para trabalhar, meu pai com oito anos e minha avó foram a tiracolo, voltando somente ao final dos anos cinquenta para nossa terra natal.

Ele tocava violão, harmônica, pintava, adorava esportes, futebol em especial. Esteve muito próximo de Ary Barroso e José Lins do Rego, flamenguistas declarados, assim como o Vô. Trabalhou no Jornal dos Sports, escreveu muitas crônicas. Eu tinha completado cinco anos quando ele partiu. Sua pessoa foi construída para mim, através do depoimento da família, mas lembro muito bem da sua voz, sua personalidade calma e da sua respiração forte enquanto limpava as orelhas dos inúmeros animais que a Vó Tuna abrigava na casa deles.

A família Boabaid em Florianópolis é conhecida pelo grande número de filhos que a Dona Carlota teve com o Seu Féris, um libanês alto que sempre pegava carona conosco quando passávamos os domingos em Canasvieiras na casa do seu filho mais velho, o Antônio, para nós o Kalifa, um dos grandes remadores que o Aldo Luz teve, graças ao Tio Dudu (Alcides Rosa), irmão da Dona Carlota, que o levou para o remo, assim como Kalil e Osmam, Vilson, Marco Aurélio e Zé Luís. Quebrando a sequência de filhos, nasceram intercaladas entre eles quatro mulheres, Lourdes, Jamile, Zoraide e mais outra que não lembro o nome. Marco Aurélio era o presidente do Aldo Luz quando comecei a remar em 1980.

As festas na casa do Antônio sempre foram verdadeiros eventos onde celebravam a vida, a alegria de estar junto, tudo de forma simples e natural. Certa vez um casal de argentinos que passeava pela praia, foi sequestrado para o churrasco, permanecendo por anos seguidos frequentando as férias de verão em Floripa. Dizem que foram eles que levaram aos hermanos, a notícia de que a Ilha era o local mais lindo e hospitaleiro de toda a América do Sul. As cantorias eram entoadas de forma unanime, com muita alegria e veemência. Uma letra que habita minha cabeça vive me dizendo:

Eu queria ser um grilo

Ser um grilo seresteiro

Para assim poder cantar o cri cri cri

Debaixo do seu travesseiro

Cri cri cri, cri cri cri faz o grilo

Faz o grilo seresteiro

Cri cri cri, cri cri cri faz o grilo

Debaixo do seu travesseiro

Acredito que no ano de setenta e dois ou três, nós tenhamos ido comemorar o Natal na casa do Tio Antônio. A proximidade e amizade era tanta, ao ponto de assim o chamarmos até hoje.

As luzes da sala se apagaram, as conversas sobressaíram. Os aromas de peru assado misturado com quibe e tabule dominavam o ar. Tio Antônio debaixo de uma colcha, surge de dentro de um dos cômodos da casa, numa versão estilizada do Papai Noel, imberbe, e desta vez tocando a gaita de boca.

A música não podia ser outra a não ser Noite Feliz, mas para a Vó Tuna, relembrando meu avô, foi motivo de muito choro, e não sei se foi devido a esta passagem, mas todas as vezes que a escuto, minha voz fica embargada e meus olhos se enchem de lágrimas.

Papai Noel existe.

Feliz Natal.

Stille Nacht, canção composta pelo padre austríaco Joseph Mohr, em alemão Noite Silenciosa, para a nossa versão, Noite Feliz.


0 comentário

Deixe uma resposta

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese