Saindo do lodo

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

A previsão para o sábado era de vento forte, justo o dia da semana escolhido por mim como o de dedicação total ao Remo. Permiti a mim mesmo dormir um pouco mais, chegando ao Clube às sete da manhã. Para minha surpresa a turma mais Caxias já havia ido para a água às seis. O rio estava com pouco vento.

Perguntei a um dos professores se eu poderia colocar um canoe na água e ficar treinando entre as pontes. E por que não um skiff? respondeu o prof.

Mais de cem dias sem subir num barco, eu não estava preparado psicologicamente para tal. Desde o fenômeno das enchentes ficamos impossibilitados para remar na água, e somente a cerca de um mês e meio, retomamos os treinos na academia.

Mas lá estava eu de novo, sentado no meu divã aquático, o Single Skiff, onde tudo acontece ou não, graças às suas habilidades ou a falta delas. Tal qual o líquido revelador imprime ao papel a luz que sensibilizou a película do filme, o skiff mostra na sua hidrodinâmica o que você faz com os remos, escrevendo uma linha reta na superfície d’água, onde os pingos dos is são os buracos deixados pelas marcas das pás dos remos.

O treino consistia numa pirâmide, uma remada forte, outra fraca, duas fortes, duas fracas e assim sucessivamente até vinte, descendo até uma remada forte. A voga prescrita no papel afixado com tachinhas coloridas no painel forrado com feltro, determinava vinte e oito a trinta e dois remadas por minuto, mas para quem estava há tempo ausente das águas, quase reprovado por faltas neste ano letivo, não convinha exagerar. Aos poucos o esqueleto foi se soltando, o medo diminuía e aumentava na mesma proporção que o vento sul, assim como a pressão nos finca-pés, remando sempre no meio do canal, evitando galhos de árvores trazidos para locais onde não costumavam ficar.

Terminado o treino, não pude deixar de observar a margem do cais quase sob a ponte do vão móvel, a cicatriz que as águas deixaram, arrancando um muro de pedra com uma espessura de quase um metro, por uma extensão de quase cem metros, removendo inclusive o aterro, até muito próximo da Rua João Moreira Maciel.

Depois que tirei os pés das sapatilhas pude perceber nas meias as manchas do barro que continuou impregnado nos detalhes do barco, como nas forquetas, ainda com marcas do que o rio sujou, agora sendo lavadas aos poucos por ele mesmo, mostrando que ele é o nosso psiquiatra que nos ouve e sugere o que devemos fazer.

Categorias: Crônicas

16 comentário

Acácio · 17 de agosto de 2024 às 20:13

Que crônica emblemática e com um profundo conteúdo, Seara.

Parabéns!!!!

    historiasderemador · 17 de agosto de 2024 às 20:32

    Grande abraço meu amigo

    Roberto Mülbert · 18 de agosto de 2024 às 10:43

    Seara, grande guerreiro!!!!!

    Crônica de desabafo e recomeço ao mesmo tempo.
    Siga sempre em frente, superando os desafios que a vida nos apresenta.
    Hip, Ha, Hip, Ha……….

Choxo9 · 17 de agosto de 2024 às 20:29

Traumas são superados gradativamente. Estão todos aí no caminho.

Raquel Denise Ewald · 17 de agosto de 2024 às 20:32

Fico feliz pelo retorno. Linda crônica!

Luiz Felipe da Silva · 17 de agosto de 2024 às 20:32

Que coisa linda! Está crônica é de tocar na alma de qualquer remador!

REMARSUL · 17 de agosto de 2024 às 20:50

A tragédia das enchentes trouxe muitos ensinamentos e estar à bordo de um single skiff traz uma reflexão sobre a vida. Remar é um equilíbrio. A vida é como um barco. Juntos dão ensinamentos: precisamos nos sentir.vivos novamente, com ânimo, força e resiliência.
Aos poucos toma-se rumo, mantém o prumo e o horizonte abre novos caminhos. Um abraço

    historiasderemador · 18 de agosto de 2024 às 09:56

    Somos infinitas possibilidades, esse é o pensamento quântico! E assim temos que ser.

Mario · 17 de agosto de 2024 às 21:30

Boa Seara. No próximo Sábado mais sedo para treinar com os Caxias. Saímos num four bem remado. Pelo menos todos agradecemos uns aos outros a baita remada . 3 Contu,2 Cavalo ,proa Tarta e eu voga. Sim saímos com os senhores dos anéis. Grande abraço.

Nick Holland · 18 de agosto de 2024 às 03:33

Fantastic Seara. So glad you’re back on the water.

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