Double (skiff) anfíbio

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

As pessoas mais falantes costumam atrair outras pessoas em torno de si. Somos seres sociais e gostamos de interagir. Há, porém, aquelas de pouca conversa, econômicas nas palavras. O meu recente amigo Lucas é uma dessas. Interessante que o seu silêncio não incomoda, pelo contrário, nos acalma. Num mundo tão acelerado tê-lo ao lado é uma benção.

São quase vinte anos de diferença de idade. Ele está mais perto dos dois metros de altura do que eu, seu peso tem quase três dígitos, desnecessário escrever que ele é muito forte.

Alguma coisa ocorreu, não sabemos precisar o dia, mas ele resolveu se entregar de corpo e alma aos treinamentos, mesmo tendo iniciado no esporte já como master B.

Nosso coach sabe que eu gosto de me aproximar dos novatos para aprender com eles a nos desenvolvermos. Lucas tem sido um parceiro incansável nos treinos. Quando me sento na máquina evito olhar o seu resultado, sei que se fosse possível retroceder no tempo, eu jamais conseguiria ter seu desempenho. Aquele albatroz com mais de dois metros de envergadura, a cada dia que passa, consegue utilizar o empurrão das pernas em seu favor, e do barco.

Fui designado a remar com ele na sua primeira prova, ou melhor, tentar. Conversamos entre nós para ver qual a melhor formação, e nos testes deu o contrário do que deveria ser, eu remando na voga. Sempre fui o proa nas guarnições devido ao meu físico avantajado de grilo.

Quando saímos da rampa, percebi que faltava uma borboleta que prende o finca-pés à parte inferior do barco. Voltamos remando a ré. Uma das pás dele mordeu a água. Uma balançada. Um susto. Como o trecho era curto, eu disse, deixa que eu levo.

Remamos em direção a largada. Demos umas saídas ensaiando como seria o início da prova. Todos tranquilos no barco, prestando atenção somente em nós mesmos. Descobri que nosso maior adversário era o vento contra que vinha mais de bombordo. Assim passamos o pontão de alinhamento número cinco, deixando a proa para noroeste. Voltei remando a ré.

A partir do momento que o menino do pontão segurou a ré do barco, eu deveria ter deixado as manobras de alinhamento, ao encargo do Lucas, mas tal qual um pai que não larga a mão do seu filho para atravessar a rua sozinho, resolvi em vão manobrar o barco. Não consegui.

Remamos avante e dessa vez voltamos de ré pelo boreste. Foi pior ainda. O menino que estava no pontão nos largou. O vento nos empurrou lateralmente até o pontão seis. A menina que estava em cima resolveu nos ajudar, segurando as pás dos remos de boreste, elevando-os cerca de cinquenta centímetros.

Eu tentei dizer: Noooo.

Nesse momento minha orelha direita se aproximava da água, e lá no fundo do Rio Negro, eu ouvia os peixes batendo palmas para a minha manobra. Joguei a bunda para o lado do bombordo, os pés ainda presos nas sapatilhas. Um pé do chinelo boiando, o outro por baixo dos finca-pés.

– Lucas, pula na água!

O pavor tomou conta dos árbitros que em castelhano nos perguntavam, vocês estão bem? O lorde inglês na proa me olhava sem entender nada, mas de olho nas suas sandálias que flutuavam no rio.

Subimos na lancha de apoio, fomos até a margem do rio para tirar a água e voltar numa próxima bateria. Olhei para a outra lancha que trazia o barco e vi que um dos remos havia descolado a haste do punho que fica embutida no cano do remo. Falei para o amigo da lancha que teríamos que abortar a missão. Não teríamos tempo para trocar o remo. Ele concordou com a decisão.

Ainda contei com os serviços desse amigo da lancha numa outra prova, mas essa aventura deixo para contar depois, duas desgraças não cabem na mesma crônica.


12 comentário

Acácio · 10 de maio de 2025 às 20:55

E haja susto, Seara! Kkkkkk

Ricardo · 10 de maio de 2025 às 21:40

Muito boa!

vera · 11 de maio de 2025 às 09:26

Excelente, narrativa!!! Lucas foi batizado no seu primeiro Sula!!! Presenciei a chegada de Lucas na Lancha, mas Seara, tive a impressão que vc estava no barco sozinho no retorno a rampa.

    Eduardo · 11 de maio de 2025 às 11:19

    Que história em parceiro!!!!! O cara do mercado quando te vê entrando já pergunta, “ O de sempre patrão “ 🩴🩴🩴🩴 😅🤣🤣🤣

      historiasderemador · 11 de maio de 2025 às 13:07

      freguês de carteirinha. havaianas 41-42, azul ou preta?

        Lorena · 13 de maio de 2025 às 19:09

        Seara!!!! Que bom , assim não sou só eu que viro barco em Sula.!!! Kkkk Só que é sempre depois da chegada!!!
        E a água tava mto fria? A gente nem sente né? É mta adrenalina!!!

          historiasderemador · 13 de maio de 2025 às 19:29

          Não teve adrenalina. 🙁 Estava fria sim.

    historiasderemador · 11 de maio de 2025 às 13:05

    sim, eu trouxe o barco sozinho. Lucas chegou na lancha

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