Três palitos

Publicado por historiasderemador em

Por Cesar Seara Neto

O vento sul ameaçava aumentar, a prudência me fez fazer a volta no skiff e remar em direção ao clube. Consegui terminar o treino de sábado, diferente do que eu imaginava, água estava lisa e pedia mais pazadas. Aproveitei a ocasião, o inverno em Porto Alegre é sinônimo de neblina no início do dia.

Sem compromisso segui remando, quando um beija-flor luminescente começou a seguir o barco. A princípio neste mundo virtual moderno, imaginei ser um holograma. Tive a certeza de que não era, quando ele começou a contar a seguinte história, perpetuada por muitas gerações na sua família colibri.

Contam que duas formigas cansadas de trabalhar e carregar alimento para seu depósito, fizeram uma pausa no seu caminho. Se depararam com uma poça d’água. Enorme. Caminharam até a beira dela. Ao olhar para baixo, notaram duas outras formigas exatamente iguais a elas, que as olhavam com a mesma cara de espanto.

As antenas tricotavam uma linha invisível, enquanto seus cérebros pensavam em como atravessa aquele curso d’água. Operárias padrão, sua devoção e vontade de vencer barreiras lhes rendeu o título de líderes de grupo na comunidade.

Ao olhar ao seu redor, encontraram um palito de picolé em formato de meia cana, as extremidades levemente arqueadas. Além da pequena canoa Kibônica, dois palitos de fósforo usados ao seu dispor. Mesmo quase sem recursos, os deuses lhes presentearam com duas abraçadeiras facilmente afixáveis na Kibônica, agora promovida a outrigger.

Vamos remar? Uma das formigas perguntou. A outra percebeu a brilhante ideia. Chegar ao seu destino implicaria contornar todo aquele curso d’água. Talvez chegassem em casa somente tarde da noite. Seriam taxadas de notívagas, de que andavam na esbórnia.

Depois de uma breve discussão de quem seria a voga do barco, se sentaram e começaram a remar. A princípio sem equilíbrio e conjunto, o barco andava mais para o lado do que para a direção que pretendiam.

A cada remada dada era nítida a evolução. O silêncio no barco só era quebrado cada vez que os remos entravam e saíam na mesma batida. Rapidamente chegaram ao outro lado. A felicidade foi tamanha. Resolveram remar novamente de volta de onde haviam partido.

Outras formigas presenciaram a cena, e como se as remadoras parecessem extraterrestres, as olhavam boquiabertas. A notícia correu rápido no reino. A Rainha protegida pelos seus formigões reais foi até a poça ver a cena. Chamadas a beira, foram carregadas como heroínas nos ombros pela multidão que se aglomerava.

Desde então regatas no barco Duas formigas sem timoneiro têm sido disputadas. A procura por palitos maiores permitiu a competição nas modalidades a quatro e no oito com.

Robespierre de Formeguin, o repórter do reino, começou a praticar o esporte. Como era influente em outros reinos, reuniu desportistas de todas as modalidades. A partir de então, a cada quatro ciclos solares completos, acontecem os Jogos Formílicos.

Dedico esta história a todos que fazem este esporte cada vez maior, melhor e mais belo.

Categorias: Crônicas

3 comentário

Antonio Ricardo Lanfrefi · 13 de julho de 2025 às 20:43

kkkkk Que viagem. Depois me conta o que voce bebeu antes de escrever. excelente!

Bozzano · 15 de julho de 2025 às 12:50

Bem bacana. Singular e Plural.
Em resumo, não se resume, algo de Bom e maior…Melhor!

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