Até a última remada

Visitar a mãe, mesmo sem ter a chave, com quase sessenta anos de idade, sempre será como chegar ao lar. Remar no Aldo Luz é a mesma sensação.
O vento sul encerrou a semana dando aquela cara cinzenta de inverno. O sábado prometia ser outro dia similar, mas ao avistar a lua cheia refletindo nas águas da Baía Norte em Florianópolis, me encheu o peito de alegria. Ao retornar do treino, fui recebido na rampa pela Laís, seus pais e sua irmã, que foram especialmente ao remo para que eu os conhecesse.
Double na água com o André Dutra, o Dedé, foi o início de um dia cheio de emoções. Foi ele que me incentivou a escrever estes textos. Voltamos da remada para o evento que eu sabia que seria difícil, mas era o mínimo que poderíamos fazer ao nosso amigo Charles, largar suas cinzas no mar em frente à praia do Clube.
Dois barcos a oito, três four Skiff do Aldo Luz e vários outros barcos do Martinelli e Riachuelo perfilados próximos ao molhe. O silêncio era o reflexo da água que resolveu permanecer calma durante a homenagem iniciada pelas palavras do Mesquita, seu fiel amigo, sentado à minha frente no barco oito, conseguindo vencer a emoção que transbordava nos olhos e dificultava sua fala:
“Estamos aqui para dar a última remada com o Neguinho junto conosco no barco, a partir de agora, ele poderá remar onde quiser”.
Pétalas de flores lançadas na água pelos remadores do barco a oito ao lado do nosso. Sentado no timão, João Vitor, seu filho, iniciou a cerimônia, segurando numa das mãos as cinzas do seu pai, depositadas na água. A cena se repetiu com todos os integrantes do nosso barco, terminando no outro Oito.
Ao Charles, hip ha, hip ha, hip ha. Seguido por uma salva de palmas.
Enquanto manobrávamos os barcos para voltar para casa, um pouco de cinza permanecia depositada no barco. Fiquei a olhar, sem entender. Lágrimas represadas caíram dos meus olhos. Consegui dar um abraço muito apertado no Mesquita. Relembramos muitas histórias, rimos muito como sempre fazíamos quando nos reencontrávamos, e assim sempre será, até a última remada.
3 comentário
Laurimar · 9 de agosto de 2025 às 23:33
Que linda homenagem!!!
Sandra Regina Cayres Berber da Conceição · 10 de agosto de 2025 às 07:31
Foi uma homenagem emocionante, com a presença da Cida, viúva do Charles. Todos queriam dar o último adeus ao amigo tão querido, sempre gentil e alegre. Sua presença no Clube está eternizada nas lembranças e fotos dos eventos em que participou com a família, e suas importantes vitórias no Remo.
Paulo Damian · 10 de agosto de 2025 às 09:39
Custei a acreditar que o Charles havia partido, meu amigo desde que inicie no remo!!😥😥😥