Passado sempre presente

Quando comecei a escrever ou contar as histórias de remador, pensei que seriam acontecimentos ou fatos, que pudessem explicar “o que medalhas não são capazes de contar”. Talvez eu tenha acertado na escolha do assunto, contar os bastidores, mas me enganei pensando que tudo se tratasse sobre os fatos. Errei. Tudo se trata de pessoas.
Sábado de regatas. Treino às seis horas da manhã. Carro cheio de equipamentos para mais uma transmissão das provas de barcos que cruzam a linha de chegada. Uns mais rápidos, outros mais lentos, mas todos, sem exceção, eram remados, pasmem, por pessoas!
Umas mais alegres e extrovertidas, outras retraídas comemoravam suas vitórias para dentro de si. Há também os que remam carregando para o seu interior a frustração de não terem sido os primeiros a ouvir a buzina dos árbitros.
Quem rema pode ter seus motivos para tal. Vaidade, autossuperação ou melhorar a saúde, mas cada remador que participa de uma regata, está construindo um edifício invisível que não podemos colocar as mãos, chamado Remo. Incluam nessa conta os que trabalham no e para o esporte. Este homem que aqui escreve, mesmo que de forma voluntária e amadora, também pode se auto incluir nessa empreitada. Árbitros, técnicos, funcionários dos clubes e demais pessoas indiretas completam o rol, mesmo sabendo que existem registros instantâneos, estádios, raias e clubes, estatutos, regras e regulamentos, o esporte em si, não é palpável. Ele só existe porque há pessoas que se dedicam.
Trinta segundos de atraso para pegar a balsa de retorno ao cais, me renderam quarenta e cinco minutos prazerosos de boas lembranças. Encontrei um dos filhos de Henrique Licht. Entre uma conversa e outra ele se apresentou e tudo se fez normal. Seu sorriso sincero, idêntico ao do seu pai. Confessei a ele uma história, ali, naquela Ilha, quando eu já não remava mais, porém, escutei a voz do seu pai narrando uma regata, quiçá uma Copa Sul.
Ele perguntou meu sobrenome, Seara. Sim, meu pai era muito amigo do seu. Interessante reconhecer essa reciprocidade através dos filhos, que talvez ainda não se conhecessem, ou que o tempo não tivesse oportunizado este rico encontro.
Fiquei a pensar se o Dr. Henrique sabia desta máxima que o esporte não é um bem que conseguimos embrulhar e guardar no armário. Ele é um conjunto de momentos vividos por pessoas em busca de um propósito, fazer o barco andar mais, de preferência, mais rápido do que o dos outros.
Mas por que ele se dedicou tanto ao ponto de escrever um livro, com um rico pedaço das histórias do remo, baseado em farta pesquisa muito bem executada com o auxílio de outras pessoas?
O que posso concluir é que seu objetivo era para que mais pessoas fossem tocadas pela mão do esporte, ainda que invisível e intocável.
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