CRÔNICA DE UMA VOLTA ANUNCIADA
Por Dilermando Cattaneo – 30/11/2021
No fundo, ainda estou “processando” que ontem competi em duas provas na regata promovida pela REMOSUL (2a. etapa do Circuito de Velocidade – provas de 500 metros).
Se no sábado, depois de toda a ansiedade pela “reestréia”, não foi possível haver competição por conta da chuva e do vento sul, o domingo nublado mas com Rio liso propiciou as condições para que pudéssemos descer a raia do Parque Náutico com mais tranquilidade (embora não com menos ansiedade e nervosismo).
Remando pela ACARES, nossa Associação Comunitária Amigos do Remo de Eldorado do Sul. que é ao mesmo tempo um clube de remo filiado à Federação, corremos a prova do 4X (Four Skiff) categoria Master D (guarnição com média de idade entre 50 e 54 anos de idade), em um ótimo barco emprestado pelo Grêmio Náutico União, e em menos de 20 minutos eu já estava noutro barco para descer a prova do 1X (Single Skiff) categoria Master C (atletas entre 43 e 49 anos de idade), num skiff emprestado pelo Vasco da Gama de Porto Alegre, clube pelo qual remei entre 1994 e 2001.
Muita gente disse que foi loucura fazer tudo isso, mas ainda uso a desculpa clichê do “sonho realizado”, embora saibamos que os loucos também sonham. Um sonho que estava há duas décadas emaranhado entre memórias e utopias.
Senão vejamos: eu nunca havia sequer remado num Four Skiff até o final de semana passado, e com dois treinos saí na importante posição de voga de uma guarnição de remadores experientes e “possuídos”. Eu também nunca havia competido numa prova de Single Skiff, e com cinco treinos no barco competi contra remadores olímpicos, sendo um deles o maior campeão pan-americano de remo[1], um ícone do esporte no Brasil. Na hora da largada, alinhando com esses caras, eu não acreditava que a alguns meses atrás eu quase não respirava por conta da COVID, e que há 90 dias eu recém começava a sair num canoe, ficando esgotado em poucos minutos, depois de quase 20 anos sem remar e depois de um longo tempo de sedentarismo quase completo.
Mas não se trata de superar limites, muito menos de esforço individual. Vejo os limites como a linha do horizonte que Eduardo Galeano usou como metáfora da utopia: a linha que serve para que sigamos caminhando (nesse caso, remando!). Por isso os limites não são superados, talvez nem mesmo alcançados. Eles nos fazem caminhar/remar… E é uma caminhada/remada sempre coletiva, porque pressupõe apoio mútuo, compromisso com o grupo e espírito de coletividade, ainda que estejamos remando num barco ‘single’.
Não é por acaso que na hora da saudação na chegada, o tradicional cumprimento que remadores/as fazem, agradecemos a todos/as que nos apoiaram pela difícil “aventura” de estar ali, mas ressaltamos que o remo não está dissociado do espaço, do tempo e da sociedade, e por isso ele pode e deve ser para todos e para todas, assim como a saúde, a educação e a alimentação. Competimos pelo clube e remamos pela Associação, mas nos movimentamos pela comunidade.
[1] Marcelus Marsilli , o popular “Cabeça”, na verdade, o remador com maior número de medalhas em Jogos Panamericanos. Nota do editor
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