Com o Remo em comum
Por DILERMANDO CATTANEO
Quando o árbitro da primeira etapa do “Circuito de Velocidade” da Remosul deu a largada na prova do Double Skiff – Master C (atletas com média de idade entre 43 e 49 anos), nem parecia que, apesar de eu e Capoeira (Leandro Schutz) estarmos treinando nesse tipo de barco desde fevereiro deste ano, havíamos passado uma sucessão de perrengues nas últimas duas semanas, que quase colocam em risco nossa participação na prova e na regata.
De uma doença respiratória que me abalou e me tirou dos treinos por uma semana (não era Covid, mas minha velha bronquite asmática com uma forte sinusite), passando por um episódio de violência urbana com a família de meu companheiro de barco, além das condições atmosféricas que dificultaram treinos na água, a vontade de participar dessa regata superando as adversidades foi maior, e por isso mesmo tentamos intensificar os treinos para “correr atrás do prejuízo”, indo treinar com qualquer tempo, na madrugada e no início da noite, seja no Clube de Regatas Vasco da Gama – meu antigo clube, que nos empresta o barco e onde Leandro dá suas remadas há muitos anos -, seja na ACARES – nossa associação comunitária que é meu atual clube e cujos bravos remadores toparam correr a prova do Four Skiff – Master A (para atletas com média mínima de idade entre 27 e 35 anos, com o pequeno detalhe de que nossa guarnição tinha média c de 52 anos); seja no Grêmio Náutico União – que não apenas nos emprestou um barco Four Skiff como permitiu fazermos um treino durante a semana, logo ao amanhecer.
A questão é que não se passa impune por tantos contratempos e, no caso da Double, nosso psicológico parecia anunciar que a jornada seria um tanto trágica. Na remada da quinta-feira anterior, de madrugada, com o rio liso, mas muito sujo com aguapés e tocos de madeira, insistimos em fazer largadas e aprontos de 500 metros, e numa dessas batemos em um grande tronco semi-submerso, que tinha uma espécie de galho que entortou o chamado ‘quinto-braço’ (parte da estrutura de braçadeiras que conformam o conjunto onde o remo fica ‘preso’, para fazermos a alavanca que empurra o barco adiante). Um treino ruim, sem dúvidas, mas que paradoxalmente poderia servir de motivação. No sábado, dia da regata, usamos outro barco, e na saída para “reconhecimento” antes da prova, quase viramos, a partir de uma bobeada com as grandes ondas formadas por um rebocador que estava indo ‘buscar’ um navio na foz do Gravataí.
O resultado, a essas alturas, era o que menos importava, mas mesmo assim fizemos um esforço brutal que garantiu uma medalha de terceiro lugar, porque o barco de um dos adversários, em que estava o multicampeão e lenda do remo brasileiro Marcelus Kabeça, bateu num toco e ficou muito prejudicado. Então, podemos dizer que ganhar do Kabeça nessas circunstâncias não vale, eheheh… Mas valeu muito correr a prova contra os amigos que fiz recentemente no GPA, com os quais treinei e estive junto recentemente no Sul-americano de Master em São Paulo. Adversários que são amigos(as), mostrando que no esporte do remo, se por um lado usamos a “força do ódio” para fazer aquela força a mais e levantar a voga no final da prova, não há espaço para rivalidades estéreis e vaidades pessoais, afinal, se não remamos necessariamente no mesmo clube, temos o remo em comum e isso cria uma dimensão que nos permite nos enxergar como uma comunidade, não muito grande é verdade, mas uma comunidade que compartilha a paixão pelo nosso esporte, o gosto por estar dentro ou na beira da água e a dedicação aos treinos, mesmo em condições adversas.
Não é por acaso, portanto, que o remo cria famílias, mas também por vezes ajuda a desfazê-las, no sentido literal…
Bom, para além dos resultados e para além das medalhas, o que fica é a certeza de que estarmos na água competindo reforça o sentimento de comunidade, ao contrário do que leituras apressadas e alheias ao esporte podem pensar. De nossa parte, poder remar e competir junto a remadores(as) de outros clubes, seja em barcos mistos (com guarnição de mais de um clube), seja defendendo o próprio uniforme do outro clube, não apenas não é um demérito como ajuda a reforçar os laços de camaradagem e o sentimento comunitário. Se por um lado remamos sem olhar com toda a atenção para onde vamos, o que pode gerar alguns acidentes e “perdas na reta” , por outro lado isso não significa que estamos sem rumo ou sem direção, afinal, “não remamos à toa!”.
Vamos continuar, sempre, querendo ganhar e colocando muita raça a cada remada, mas depois, na hora da premiação, do churrasco ou da confraternização, não deixamos de ser pessoas que tem o remo em comum.
Vejam os vídeos desta prova
https://youtube.com/clip/UgkxmoStiClFCJVLgXy170Zs7Zt4T00c_Yqb
https://youtube.com/clip/UgkxOeJfekpmXjVD6i6_vVyWB9Kw9044-juh
2 comentário
Gérson Wizer Port · 5 de junho de 2022 às 06:01
Grande remador Dilermando Cataneo, quem encontra a satisfação da remada faz seu dia melhor.
historiasderemador · 5 de junho de 2022 às 18:30
Obrigado pelos comentários Gerson. Divulgue e compartilhe as Histórias de Remador