Entre a dor e o ouro

Publicado por historiasderemador em

Por Marcela Teixeira da Silva

Em 2019, minha vida parou. Um acidente inesperado me deixou com mobilidade reduzida e me forçou a enfrentar uma nova realidade, dolorosa, limitada e solitária. A dor física era grande, mas a emocional era ainda maior. Perdi minha rotina, meus movimentos, minha autonomia. E por um tempo, perdi a fé em mim também.

Passei anos tentando me reencontrar, até que, num momento de extrema exaustão, não tendo mais a quem recorrer, me entreguei de corpo e alma às orações. Rezei muito. Pedi a Deus que me enviasse algum sinal. Adormeci muito cansada, e através de um sonho, com o espírito elevado, Ele me falou do Remo. Um esporte que eu nunca tinha tido contato, sequer conhecia alguém que o praticasse.

Assim surgiu o Remo em minha vida. Foi através do Clube de Regatas Aldo Luz, em Florianópolis, que encontrei acolhimento, estrutura e incentivo. Um espaço que não só me aceitou como eu era, mas que me impulsionou a ir além. E foi lá que conheci uma das figuras mais importantes da minha trajetória: o técnico Guilherme Soares. Ele acreditou em mim antes mesmo que eu pudesse. Guilherme viu potência onde eu via dúvida, viu caminho onde eu só enxergava limite. Com ele, iniciei minha jornada no remo paralímpico.

Minha primeira grande experiência foi no Campeonato Brasileiro de Remo Paralímpico, remando ao lado do meu parceiro Bruno, um atleta com deficiência visual que, assim como eu, havia começado há pouco tempo. Dois novatos, cheios de vontade, enfrentando nomes consagrados do remo paralímpico: Diana e Valdeni Júnior, que ficaram em primeiro, e Jairo e Ana, em segundo, atletas com trajetórias marcantes e passagem por Jogos Paralímpicos. Ainda assim, conquistamos o terceiro lugar. Um pódio com sabor de vitória, que mostrou como a conexão, o esforço e a entrega podem superar a inexperiência. Foi uma conquista enorme, tanto para mim quanto para o Bruno, a pessoa que, depois da minha família, foi meu maior incentivador para seguir batalhando em busca de um lugar na seleção brasileira. E pouco tempo depois, o sonho que parecia tão distante se concretizou: fui convocada para integrar a Seleção Brasileira de Remo Paralímpico.

E foi com essa seleção que vivi um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida: a medalha de ouro na Copa do Mundo de Remo Paralímpico em Varese, Itália. Um feito histórico — a primeira medalha internacional do Brasil no barco Quatro com Timoneiro PR3 Misto.

Mas essa conquista foi construída por muitas mãos, muitos corações e uma sincronia rara. Nossa guarnição era mais do que um time; nasceu uma família.

Alina, com seu coração gigante, é uma inspiração diária. Sua força e determinação são combustíveis dentro do barco e exemplo fora dele.

Gabriel é o pilar silencioso — maduro, atento, sempre pronto para ajudar. Uma verdadeira fortaleza dentro e fora d’água.

Erik é a alegria do barco. Um cara de coração imenso, que espalha leveza sem perder a potência.

Birigui, nosso timoneiro, é o mais experiente do grupo. Com firmeza e alegria, nos conduz com segurança em cada palmo de água.

E por trás de tudo isso, o técnico Marcos, técnico no Sport Recife, a peça central da engrenagem que nos levou ao topo. Ele foi a mente tática, o olhar atento, a palavra certa no momento exato. Extraiu de cada um de nós o melhor, como atletas e como pessoas. Sem ele, não teria havido medalha. Marcos soube respeitar nossas particularidades e transformar nosso barco em um só coração batendo forte rumo à vitória.

Hoje, sigo como atleta, buscando continuar na seleção. Também sou representante da Comissão de Atletas nacional e estadual, lutando para ampliar o acesso ao esporte paralímpico e dar visibilidade às nossas lutas e conquistas. Porque ainda são muitos os atletas com enorme potencial que não têm as oportunidades que merecem.

O remo me transformou. Ensinou que, mesmo quando o mundo parece desabar, ainda é possível construir um novo caminho. E que, com união, disciplina e propósito, podemos ir além de qualquer limite.

Sou Marcela Teixeira da Silva, atleta, mulher, manezinha da Barra da Lagoa, e alguém que encontrou, nas águas do remo, não apenas um esporte, mas um reencontro com a vida.

Categorias: Crônicas

3 comentário

Cláudio karamello · 28 de junho de 2025 às 06:27

Parabéns a esses guerreiro (a) que souberam superar as dificuldades do nosso remo paralímpico no Brasil, e com grande entre muitos preconceito souberam vencer as barreiras do preconceito no nosso país. E sempre serão vencedores no esporte e na vida.

Renata · 28 de junho de 2025 às 08:42

Texto maravilhoso…

vera · 28 de junho de 2025 às 10:20

Parabéns a este time de campeões, no esporte a deficiência maior e não se desafiar, parabéns a vcs que fazem isto !!!! muito orgulho da conquista , parabéns , parabéns , parabéns e parabéns!!!!

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