O Lobo de Wall Street
Domingo, 27 de março de 2022. Quase seis horas de transmissão ao vivo das provas ocorridas no dia de hoje e da cerimônia de premiação do Campeonato Sul-Americano de Remo Jr, Sub23 e Para-remo, em Porto Alegre, RS. Acordado desde antes do sol nascer, cansado, muito cansado, mas a adrenalina da emoção vivida, ainda circula no sangue, não me permitindo o merecido repouso.
Havia muitas incertezas na minha cabeça. Havia muitos medos no meu coração. Na cabeça a falta de recursos técnicos. No coração o medo de falhar, de não entregar uma imagem decente aos amantes do esporte.
Esta foi a primeira vez que assisti a um Campeonato Sul-Americano de Remo. Primeira vez que fiz uma transmissão ao vivo de uma Regata, sentado numa cadeira, com um notebook e uma câmera, e seguindo o que diz meu pai: “Quem pensa grande, faz grande. Quem pensa pequeno, faz menor ainda”, resolvi me propor a fazer maior do que grande, e fiz.
Foi como eu gostaria? Não foi. Ficou aquém de algo a ser chamado de bom? Sim, muito aquém. Valeu a pena? Não preciso responder, quem quiser saber mais detalhes, leia comentário que a minha mãe, Dona Regina Machado, escreveu enquanto eu estava ao vivo.
Nas horas difíceis ou de extrema emoção, descobrimos quem realmente as pessoas são. O que seria de nós ao inventarmos uma loucura, se não tivéssemos outros loucos, que acreditam ou apostam em nós? Seríamos como toras de madeira serrada, já sem vida, esperando a correnteza nos levar, ou apodrecer até pararmos no fundo das águas.
Até sexta-feira eu pensava que transmitir uma Regata ao vivo era muito difícil. Hoje eu tenho certeza, mas cada momento de angústia que vivi antes da regata, cada crítica que recebi durante as transmissões, cada sugestão, elogios e palavras de carinho valeram, e muito. Eu sempre acreditei que dar visibilidade ao nosso esporte, fosse necessário. Agora tenho a certeza de que vale a pena escutar portas se batendo, porque ao mesmo tempo que estas batiam, outras se abriam, e do lado de lá, um sorriso amigo.
Quem está lendo esta crônica, é quase certo que de alguma forma contribuiu com esta empreitada. Se ainda não contribuiu, numa próxima situação, de alguma forma contribuirá.
Nem sempre devemos ouvir o que gostaríamos, mas sim o que é necessário.
Participei de poucas regatas internacionais. A primeira vez que remei fora do Brasil, foi no ano de 2019, no Paraguay, mas como remador master. Ainda que seja uma competição e a adrenalina suba, não se compara às regatas quando jovens.
A grande arma da competição é o treinamento, e salvo algo anormal, vence quem treinou mais e melhor. Porém a transmissão de um evento não tem treino, tem ensaio. Posso citar o bordão, jogo é jogo. Treino é treino.
Na sexta-feira saí da Ilha do Pavão com um sorriso de orelha a orelha, pois o ensaio com o drone, foi um espetáculo. Iniciada a transmissão no sábado vimos que o drone não voava tão longe e que a câmera principal não conseguia aproximar a imagem de modo a deixá-la nítida.
Aqui é necessário cometer o erro de citar nomes, mas em prol da verdade, cometerei: Jossiano Leal.
Ele recentemente sofreu uma queda ao andar de bicicleta, e com apenas um braço em operação, comprou a ideia deste meu projeto e fez seu drone aparecer ao vivo na tela, tal qual um ilusionista. Esteve ao meu lado contribuindo de forma excepcional, impossível encontrar palavras para agradecer, vou tentar uma: OBRIGADO, espero que caia bem nesta situação.
É sabido que quando vivemos momentos de ansiedade, ficamos mais suscetíveis a cometer atos involuntários, a não conseguir ouvir, ver, perceber, enfim, nossos principais sentidos se tornam dominados pelo nosso inconsciente ou pelo nosso lado emotivo.
Quem nunca ouviu falar da rivalidade entre Brasil e Argentina? Qual habitante do planeta não se emociona quando ouve o Hino Nacional de seu país? A resposta é qualquer pessoa. Pois bem, mas e quando o Hino de um dos seus maiores rivais toca, e você ouve aquelas notas, e se emociona como se fosse a vitória do seu país?
Naquele momento, afortunadamente, palavra portenha típica, eu estava de máscara e boné, disfarçando um pouco meus olhos, que ficaram turvos e lágrimas desceram pela face, como se fosse algum demérito para mim, comemorar a MINHA vitória que foi vencer as minhas incertezas e meus medos.
A minha vitória foi mostrar que as pessoas não assistem ao remo, não é porque não gostam, ou porque não querem, mas sim porque não CONSEGUEM.
Quem assistiu ao filme O Lobo de Wall Street, deve se lembrar da cena que o protagonista pede a um candidato a sócio no negócio, para que faça a venda de uma caneta ao seu amigo. O candidato começa a elogiar o produto sobre isto ou aquilo, quando é abruptamente interrompido. Ele pede então ao amigo que faça a venda.
O amigo puxa um papel e diz:
– Assine.
Moral: Vender é a arte de criar necessidades.
A necessidade de transmitir regatas ao público, facilmente se confirma com o número de acessos que tivemos em nosso canal do YouTube, mesmo com todas as minhas limitações técnicas.
Agora nos resta saber se na próxima oportunidade vamos remar no mesmo bote, na mesma direção, ou se vamos deixar o bote no cabide, sentar-se à beira da garagem e chorar a falta de apoio que o Remo tem?
“O problema nosso, é que nós falamos para nós mesmos. Nós temos que falar para as pessoas de fora”. Seara Júnior, meu pai.
3 comentário
Henrique Caliari Vahl · 28 de março de 2022 às 11:11
Seara Neto, você tem o dom de poucos jornalistas esportivos, consegue colocar a emoção a disposição do leitor, deixo aqui como contribuição uma das frases que sempre gosto muito de ouvir, ” E melhor tentar e TALVEZ se arrepender de algo que tentou do que se arrepender de não ter tentado”.
Você teve coragem e cumpriu de forma brilhante o seu propósito, algo tipico de um esportista dedicado, parabéns meu amigo.
historiasderemador · 28 de março de 2022 às 11:40
Meu amigo Vahl. Muito obrigado pelas palavras. Meu pai foi meu professor de desenho técnico RTS1604, no curso de engenharia civil. Entretanto, como filho, não tive a esperteza de aproveitar os seus ensinamentos na área de comunicação. Ele sabe se comunicar muito bem. Ele sabe chamar a mídia, chamar o público para os eventos. Eu tenho nele a minha principal fonte de inspiração. Procuro sempre pensar como ele faria isto. Aqui reside meu problema, pq ele sempre pensa alto, pensa grande, e eu sei qual a grandeza das suas empreitadas. Por isto sempre me cobro, mas estou feliz que o pensamento crítico que ele tem, consegui absorver algo.
Vamos em frente
Henrique Caliari Vahl · 28 de março de 2022 às 11:53
Seara Neto, em suas crônicas você consegue fazer oque poucos jornalistas esportivos conseguem, transmitir a emoção dos acontecimentos de forma tão envolvente, faço aqui a minha contribuição com uma frase que gosto muito, “Melhor tentar e TALVEZ se arrepender, do que viver com a dúvida eterna se daria certo.”
Você cumpriu de forma brilhante o seu propósito, como é tipico de um bom atleta, parabéns meu amigo.