Uma borboleta na competição
Por Eliane Scheidt
Por Eliane Scheidt
Quantas histórias cabem dentro de um lago? Inúmeras quando remamos todos os dias. O Lago Paranoá tem seus encantos, nascer e pôr do sol e claro, muitas histórias divertidas que sempre são apresentadas a todos que remam no grupo Remo Brasília. Todo dia é uma diversão apesar do esforço e cansaço dos treinos para uma nova regata, um novo campeonato e um novo desafio. O grupo, muito unido, está sempre firme e forte para alcançar os objetivos propostos no transcorrer do ano.
O dia inicia cedo, e eu sempre acordo e fico com aquela cara que “faltou mais 5 minutos de cama”, mas o café passado na hora sempre me garantiu toda energia para uma linda remada, mas claro que nem todo dia é igual e nem todo o café do mundo as vezes ajuda naquele instante a encontrar forças para o treino do dia.
Falando em treino, preciso comentar que a tabela de atividade diárias passadas pelo técnico Célio Dias é visualmente bonita, mas assustadora na sua intensidade. Parece fácil, rápida de se cumprir, mas na realidade é apresentada ao remador um novo desafio diário, desafio esse que nos encaminha para a melhor preparação e almejando sempre o melhor resultado, afinal, só está preparado que treina comprometido, não é verdade?
Dia deste, acordei mais lerda impossível, tentei café, corridinha, subir e descer a escada do meu condomínio, mas nada auxiliava no despertar do meu corpo, mas pensei: “é o que temos para hoje”. Vamos lá, força na alma, afinal o dia começa cedo e vou ver o grupo, e claro, vou conseguir acordar e concluir aquele treino.
Cheguei ao meu destino, o Remo Brasília, que já é parte de mim, é a minha segunda casa e até posso concluir que hoje é a minha segunda família com os quais passei grandes momentos, grandes alegrias e alguns perrengues, mas família é assim, não é verdade? Mas vamos lá. Olhei os barcos e pensei: Hoje vou descer sozinha de Skiff, porque posso fazer meu ritmo e dar uma enroladinha na potência com a voga mais tranquila, mesmo sendo acompanhada de perto pelo técnico. Olhei para os lados e percebi que ainda não tinha acordado o corpo, tento alongar, outra corridinha, mais um alongamento e continuo devagar, devagar mesmo rsrsr, mas penso de novo, “vamos para a água que o dia está maravilhoso e o lago está liso, uma piscina”.
O nascer do sol no Lago Paranoá é algo descomunal, extraordinário e acalenta a alma dos que vivem em Brasília e todos os dias me sinto privilegiada em ter a oportunidade de disfrutar dessa beleza natural. Vejo o dia clarear, a beleza natural acalentar o corpo e a alma e os barcos já na água. Meu sorriso nesse instante já expressa que essa é a grande motivação do dia e tudo está perfeito, pronto para uma nova remada.
Lado a lado iniciamos o treino educativo, as primeiras remadas, mas eu continuava naquele ritmo, meio dormindo, meio acordada e claro, o técnico atento, chamando minha atenção para os detalhes, afinal, todos os dias aprendemos um pouco mais, aprimoramos a técnica um pouco mais, melhoramos nossa remada e com todo esse esforço só podemos nos deparar com a felicidade de saber que o dia foi perfeito, os objetivos alcançados e que o sucesso de nossas remadas estão muito mais próximas em uma nova competição.
Ah, mas aquele dia, eu estava quase surda para as chamadas do técnico, coitado do Célio, falando no vazio, para o mundo enquanto meus ouvidos estavam ocupados com outros sons. O lago, ah, o lago, estava um espelho, o azul do céu se misturava com o seu reflexo nas águas tranquilas, o cheiro era da natureza, o biguá voava com seu bando numa harmonia incrível e em muitos momentos, um peixinho fazia aquele salto arriscado para mostrar que também vivia livre naquela beleza.
Foram alguns momentos de contemplação mesmo “escutando ao fundo” as ordens de treino do dia. O som das ordens também se silenciou rapidamente porque vi uma borboleta azul, brilhante, voando esplendorosa naquele momento mágico e ela passou tranquilamente por mim na remada com a voga mais baixa e a menor potência que se pode imaginar. Aquela borboleta conseguiu toda a minha atenção e por um momento esqueci que estava no meio do lago, remando e treinando com um técnico exigente ao meu lado.
De repente escutei um grito, “Eliane, atenção, você está remando ou sonhando? Atenção no treino. Você está passeando no lago, até a borboleta passou por você! Uma borboleta! O que é isso! Onde você está com a cabeça!” Desnorteada pelo momento, acordei do meu torpor e olhei para o Célio não entendendo a reclamação da borboleta. O que a borboleta tem a ver com o meu treino?
Meu pensamento foi cortado pela explicação rápida, clara e coerente de quem é um técnico eficiente e sempre almeja os melhores resultados de seus alunos. Nestes termos o Célio me disse: “Eliane, quando estamos remando, em nossos piores e melhores dias, tudo, mas tudo mesmo é motivo para melhorar nossa remada, inclusive essa borboleta e ela passou por você e quando você a viu passar, não se movimentou, morreu em seus pensamentos, deixando ela vencer a sua remada. A vida disse para você que era necessário buscar as forças para alcançar e até vencer esse desafio. Aqui era você e a natureza, a borboleta foi embora e demostrou que você ficou vendo o momento passar e não aproveitou o desafio, não se esforçou, parou e deixou todas as oportunidades passarem. A borboleta ganhou a competição da vida”.
Agora acordei, para o dia, para a remada e para a vida e assim, terminou meu dia com um novo aprendizado, um novo treino e claro, uma competição perdida para a borboleta, mas uma competição vencida e com um novo “eu”, mais preparada para a vida e para o Lago Paranoá.
Agora, depois dessa história, só posso agradecer ao meu técnico, e você Célio, além das exigências diárias, dos treinos pesados consegue um tempo para ensinar seus alunos a viver melhor, no lago, no barco e claro, na minha competição diária. É por isso que eu remo.
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18 comentário
Alessandra Querido · 4 de outubro de 2022 às 13:11
Que delícia ler seu texto, Eliane. Me vejo nele de muitas formas. O remo é terapia para a vida. ♥️
Sandra · 4 de outubro de 2022 às 15:34
Maravilhoso e desafiador este texto, igual teu dia e teu treino!!!Tudo é parte de tudo, amei!!!!!
Débora Andrade Mota · 5 de outubro de 2022 às 22:25
Lindo texto! Linda experiência! Quando remo me sinto numa arena cercada de testemunhas da minha existência! O lago, as aves, as capivaras, o céu…. todos já sabem porque estão lá , cabe a nós mostrar a quê viemos.
Mariângela Lobato · 4 de outubro de 2022 às 13:23
Amei, ri e fiquei imaginando essa cena.
Daniel · 4 de outubro de 2022 às 13:29
Nossa me vi várias vezes nesse treino! Inspirador, motivador mas principalmente desafiador, perder p borboleta foi uma reviravolta do pensamento q até eu fiquei pensativo d imaginando a cara do Célio falando! Vcs são fantásticos, Remo Brasília é uma família ou uma “grande família” como o Lineu sendo representado pelo Célio Dias!
Andressa · 4 de outubro de 2022 às 13:31
Parabéns pela dedicação e persistência a este esporte tão bonito 👏👏
Cinthia Benites · 4 de outubro de 2022 às 19:30
É fácil ser perder na exuberância da natureza, mas aprender com o Celio é certo.
Nilza Maria De Paula Pires · 4 de outubro de 2022 às 13:34
Parabéns Eliane por conseguir expressar por meio das palavras os sentimentos bons ou ruins! Grande artista do remo, da bike e das palavras!!!!😍😘🌹
Paulo Henrique · 4 de outubro de 2022 às 13:36
Exemplo de relato sobre a “vida do remador”. Muito interessante, segue até mesmo como sugestão diária de “vencer a competição diária”.
Parabéns.
DENISE GOMES DA SILVA · 5 de outubro de 2022 às 12:29
“O lago, ah, o lago, estava um espelho, o azul do céu se misturava com o seu reflexo nas águas tranquilas, o cheiro era da natureza, o biguá voava com seu bando numa harmonia incrível e em muitos momentos, um peixinho fazia aquele salto arriscado para mostrar que também vivia livre naquela beleza.” Ai, que trecho meis delicioso, Eliane! Amei! E tb já perdi pra borboletas! Bora remar! ❤
Elaine Andrade · 4 de outubro de 2022 às 14:10
Que reflexão linda este conto nos proporciona, que possamos encontrar borboletas assim pelo nosso caminho, e aprender a nunca desistir dos nossos sonhos.
Katize · 4 de outubro de 2022 às 14:59
Querida remadora, suas palavras fizeram com que eu me sentisse cruzando o lago ao lado de vocês, sentindo a energia do clarear de mais um dia! Esperança e força renovadas!
Amei seu texto! Parabéns!
Cristiani · 4 de outubro de 2022 às 15:11
Sensacional!
Angela R Borges · 4 de outubro de 2022 às 20:33
Eliane que bela história !!
Você escreve muito bem e com tanta emoção! Parabéns !!! 🥰😍👏👏👏👏👏👏👏
Cátia Piorno · 5 de outubro de 2022 às 00:22
Lindo, Eliane!! E que bom que vc deu uma sonhada remando, como disse o Célio…
Soa impossível pra mim não pausar ou aliviar o esforço da remada para observar uma borboleta azul!! Talvez ela quisesse te convidar a ouvir seu corpo e aliviar o ritmo… A natureza é sábia…
Se vc acorda com uma disposição diferente, o corpo que espere a alma usufruir das borboletas e pássaros até sentir-se vigoroso novamente… Nutrir a alma também ajuda o corpo… Reme, mas sonhe… Sem discordar do nosso amigo querido…😄💗
Tatiana · 5 de outubro de 2022 às 20:39
Nosso Lago Paranoa tem muitos encantos mesmo… Difícil não sonhar e viajar dentro dele! Lindo texto!
Itala Oliveira · 5 de outubro de 2022 às 20:52
Uau! Eliane, quanta riqueza de sensações e detalhes você nos apresentou em seu maravilhoso texto. Não só pude me imaginar remando_ainda que dispersa_no lindo cenário que é o lago Paranoá, bem como pude sentir o despertar trazido pelo ensinamento de seu treinador.
Max Ferreira Gomes · 5 de outubro de 2022 às 22:01
Parabéns Eliane, lendo o texto me senti ali na remada , muito inspirador !!!!!! Amei