Votos de silêncio

Publicado por historiasderemador em

Créditos Ricardo Rimoli

Por Cesar Seara Neto

Quando você encaixa a segunda remada do treino, e ela termina tão boa quanto a primeira, você pensa, hoje a remada será boa. Neste sábado foi assim.

Antes do sol nascer, quando a água se apresenta plana e espelhada, ausência quase completa de vento, a angústia das madrugadas de outono só termina a partir do momento que o barco começa a cortar a água, antes que a neblina nos engula.

Uma remada após a outra, criando um plano musical de uma partitura com apenas duas notas, cloque na saída dos remos, chip na entrada, a cadência marcada pela voga do Purpinho, sendo acompanhada pelo Ronaldo, Mário (que Mário?) e eu na proa. Para ampliar o arranjo musical que o Maestro nos escreveu, me vi obrigado a incluir mais duas notas, somente em momentos necessários para correção do rumo do barco, sem comprometer o desenvolvimento da canção.

– Bombordo. Óquei.

 – Boreste. Óquei.

Remamos até a ponta da Ilha do GPA sob um céu que prometia ser muito azul, em meio à uma névoa, ora rala, ora mais densa, que poderia se unir ao ponto de formar uma neblina espessa e atrapalhar o treino que já estava para lá de bom.

Nossos corações de adolescentes senis nos impulsionavam a seguir adiante, empurrando as pernas e o barco em direção ao Canal do Laje. Aquela cadência, o sincronismo dos remos, puxados pelos quatro aprendizes de monge que romperam a clausura de suas casas, mas mantiveram seus Votos de silêncio, em agradecimento a mais um dia esplêndido para a prática do Remo.

No meio do sinuoso Canal do Laje, entre pedidos de bombordo ou boreste, surge um double Skiff com as meninas douradas do GPA e seus cabelos esvoaçantes dando ainda mais beleza ao barco. A mata ciliar que escreve sua história ao longo das margens do estreito canal, tem vida própria, avançando quando tem vontade, sem se preocupar com os remadores que tentam andar mais rápido do que as águas rio abaixo.

Preocupado com a reta delas, leia-se rumo, como se fosse necessário, lembrei que eu estava na proa e devia cuidar da reta do nosso barco. Bastou eu olhar para a proa e quebrar meu Voto de silêncio:

– Alto.

O barco avançou por cima de um aguapé preso a taquaras tombadas, criando uma espécie de teia aquática de perigosas aranhas carnívoras, famintas por velhinhos remadores. Ouvimos uma breve e respeitosa risada das meninas que seguiram remando forte.

Saquei um dos meus remos e passei a empurrá-lo contra as taquaras, como se estivesse em Veneza remando uma gôndola. Os demais componentes jogavam o corpo para frente. Criando um movimento contrário ao sentido do barco. A cada solavanco, nos afastávamos centímetros do redemoinho aracnídeo.

Reestabelecida a reta, seguimos nossa remada até o GPA. Antes de chegar à rampa, pedi autorização para falar duas palavras aos companheiros.

– Parabéns e Obrigado!

Dedico esta crônica a minha mãe que tanto me incentiva com estas Histórias de Remador, também às demais que leram estas linhas, estendendo às mães das pessoas que sempre me acompanham.

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Categorias: Crônicas

16 comentário

Suzana Zelmanovitz · 14 de maio de 2023 às 17:37

Ih. Seara, nosso four teve o mesmo destino. Pintaúde, Ana Vida, Lenira e eu. Saga do proa nos 24km na volta do Lage.

    historiasderemador · 14 de maio de 2023 às 18:15

    Olha a proa!

      Rosângela Mello · 15 de maio de 2023 às 12:34

      Beleza de texto, Seara. E aguapés são mesmo armadilhas, nem sempre a gente escapa. Igual a vida! Abs, aí!

Paula Floriani · 14 de maio de 2023 às 17:46

Adoro , cada vez mais, as suas histórias.

    historiasderemador · 14 de maio de 2023 às 18:15

    Que bom! Vamos continuar a contar

      Joaquim · 14 de maio de 2023 às 18:41

      Esta enroscada na armadilha me remeteu aos momentos em que meter “o remo n’água” completamente fora da função original é uma metáfora recorrente nos desafios da vida. Por vezes o “plá plá plá” resolve melhor que o cloque e o chip.
      Parabéns à D. Regina, ela fez um excelente trabalho contigo.

        historiasderemador · 14 de maio de 2023 às 19:27

        Obrigado pelo prestígio amigo

        Luana Fagundes · 15 de maio de 2023 às 15:13

        E nós que estávamos prontas pra forte batalha contra o four voador, mas vocês acabaram com a disputa mesmo antes de começar hehehehe.

        Ia ser uma peleia das boas.

anTONIO RICARDO LANFREDI · 14 de maio de 2023 às 17:48

Seara, perdi esse treino, com tristeza, em função de compromissos educacionais. Mas você compensou. Me senti remando com o grupo. E a tristeza se foi … rsrsrs OBR!GADO!!

    historiasderemador · 14 de maio de 2023 às 18:01

    Estamos juntos

      Fabiano Purper · 14 de maio de 2023 às 18:07

      Olha .. tava muito bom mesmo!! A risadinha do 2x das gurias passando por nós que roubou a cena!! 🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣

        historiasderemador · 14 de maio de 2023 às 18:16

        🤣🤣🤣

        Aldo · 14 de maio de 2023 às 18:17

        Sensacional. Parabenxxxx Seara. Tua paixão pelo remo fica evidente a cada crônica. Sou teu fã! 👊🏼

Mario · 14 de maio de 2023 às 19:18

Realmente muito boa remada 24km. O four silencioso com voga 14 e 16 no inicio e equilíbrio de dar inveja .
E com direito a um final zinho, com remadas a voga 42..
Perfeito o dia. Vamos repetir. Parabéns aos companheiros de remada.

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