História de Remadora

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Por Adriana Piza

Considero que comecei a remar por duas vezes. A primeira foi em 1986, quando era estudante na USP (Universidade de São Paulo) e era obrigatório fazer um semestre de alguma modalidade esportiva. Eu gostava de correr, mas como sempre gostei muito de esporte e vi a possibilidade de aprender uma modalidade que considerava um pouco exótica, resolvi me matricular no remo. E lá fomos nós, um grupo de meninas estudantes aprender os movimentos básicos do remo no barco escola na raia da USP. Um tempo depois veio o grande dia: remar na água! Sob o comando do prof. Farah (que comanda a raia da USP até hoje) entramos naqueles Yoles enormes e pesados de madeira para 8 pessoas, que mais pareciam barcos vikings. Lembro que gostei muito de toda a experiência, e que um dia, não lembro por que razão, o Farah me colocou em um Skiff e falou “vai”. A única lembrança que tenho é de estar do outro lado da margem sem saber muito o que fazer para voltar. Até então, esta havia sido minha única experiência no Skiff. Terminado o semestre, não voltei à raia. Até 2014.

Como disse, sempre gostei muito de esporte, e nesses quase 30 anos entre os 2 começos me dediquei muito à corrida. Foram muitos anos treinando e competindo, e com isso também ganhando muitas lesões e uma cirurgia no pé, o que me fez buscar outras atividades que pudessem suprir minha vontade de praticar algum esporte ao ar livre, mas sem impacto. Já estava de olho no remo há algum tempo. Havia passado por um câncer de mama anos antes, e achei que seria um esporte que pudesse ajudar na recuperação e fortalecimento da musculatura da região operada. Aos 47 anos, convidada por uma amiga que já remava, voltei à raia, dessa vez na garagem do Clube Pinheiros, e novamente iniciando no barco escola. O técnico olhou e disse que parecia que eu já sabia remar, iria ficar pouco ali. Com certeza ainda havia alguma memória dos movimentos da remada aprendidos quase 30 anos antes. Logo fui para o canoe de fibra, um barco individual, pesado, que seria a primeira etapa na água sozinha.  Em pouco tempo passei para o canoe de madeira, um pouco mais leve e ainda bem estável, o que dava segurança e remadas deliciosas. Confesso que me acomodei ali, mas era preciso o passo seguinte, e finalmente chegou o dia experimentar o Skiff, e, diferentemente de 30 anos antes, dessa vez teoricamente seria muito mais fácil, tendo passado por todas as etapas preparatórias. Digo teoricamente porque assim que iniciei as primeiras remadas no Skiff, bateu um desespero e vontade momentânea de abandonar tudo, achei que aquilo não era pra mim, que não conseguiria jamais fluir na remada. Diferentemente da corrida, em que em que é possível calçar um tênis e correr sem maiores problemas, aqui, ao contrário, trata-se de um esporte extremamente técnico e detalhista. Pude perceber que seria um longo caminho, e conseguir me equilibrar e fazer o barco fluir se transformou em um novo desafio a ser superado. E disso eu gostava…A ideia é aprimorar a cada tentativa até que o barco aceita que você pode tentar dominá-lo. Mas isso demora, e mesmo após anos de remadas sem fim, muitas vezes ele lembra que nem sempre sou eu quem manda…mas quando se acerta a remada e o barco flui, nem que seja por alguns metros, a sensação é única!

A paixão pelo remo foi tomando conta, e fui convencendo a família toda a experimentar. Primeiro foi meu filho, adolescente, a procura de um novo esporte. Depois, minha filha, também adolescente, vendo o irmão e a mãe falarem do remo, resolveu experimentar. E finalmente o pai deles, meu marido. E assim, em pouco tempo, a família toda estava remando. Em 2017, resolvemos comprar um Skiff, fabricado pelo Vicente Dors, do sul do Brasil. Sim, agora tínhamos até um skiff próprio e que era usado diariamente, em revezamento pelos membros da família. Alguns meses depois, o momento mais marcante para mim: o dia em que saímos nós 4 (minha filha na voga) em um Four Família. Aquele barco deslizando pela raia em total sincronia só era possível pela sincronia existente também fora do barco. E esse para mim, é um dos maiores ensinamentos do remo.

Depois que conquistei um certo domínio do barco, acostumada com o mundo das competições nas corridas, resolvi experimentar os campeonatos de remo. Primeiro uma competição entre estreantes, em um Double com minha parceira de treino que conheci remando no mesmo clube. Eu já tinha 50 anos. Mais tarde em campeonatos Master. Lembro do primeiro, fomos de Double. Ao entrarmos na raia, caiu uma tempestade de 2 minutos, suficientes para encher nosso barco de água. Em segundos, veio no meu cérebro a solução: estávamos de meião. Falei para a minha dupla “Tire as meias! Vamos secar esse barco o mais rápido possível!”  E em poucos minutos, torcendo muitos meiões encharcados da água do barco, largamos com ele seco, e com as meias molhadas…fomos vice-campeãs.

Além das competições, o que dizer das oportunidades de remar em diferentes partes do mundo? Descobri que os remadores são muito receptivos, pelo menos em relação a outros remadores. Desde que me tornei remadora, toda vez que viajo para algum lugar, com o marido ou com a família, procuramos um clube de remo (já fazia isso com a corrida…procurando provas de corrida de rua pelo mundo). Sempre fomos muito bem recebidos, e nunca imaginaria poder remar em lugares inóspitos como um pequeno lago em Kamloops (a oeste do Canadá), em que o responsável abriu a pequena garagem especialmente para nos receber; em um rio na cidade de Tel Aviv, ou ainda no Danúbio, em Budapeste, onde o técnico responsável também abriu a garagem naquele horário apenas para nos receber juntamente com uma remadora turca, que estava na cidade também. Fomos em um Four, deslizando pelo rio que corta a cidade, passando às vezes ao lado de barcas enormes de turismo. Uma sensação indescritível, sem dúvida uma bela maneira de fazer turismo pela cidade!

Hoje, 9 anos depois das primeiras remadas (desde o segundo começo) vejo as várias fases pelas quais já passei nesse esporte. Desde a fase de aprendizado das primeiras remadas, o desespero para conseguir me equilibrar e aprender um esporte tão técnico já não tão jovem, a fase de querer remar todos os dias depois de comprar o Skiff, que me fez ganhar uma fratura de costela, até a passagem por quase todos os barcos além do Skiff, incluindo o 2-, com certeza o maior desafio.

Todas essas experiências remando me mostraram o que disse Daniel J. Boyne, em seu livro Essential Sculling, livro que li enquanto tentava aprimorar minhas primeiras remadas:

“O remo é um grande professor. (…) As remadas no rio me ensinam. Mostram como a vida pode ser dura, quanto tempo pode levar para conseguir o que se quer e, ironicamente, como conseguir o que se quer é muitas vezes a parte menos importante da experiência.”

E, quando me perguntam por que remar eu respondo… não consigo imaginar como teria sido meu caminho na vida sem o remo!

Categorias: 2023 - Concurso

6 comentário

Matías Boledi · 29 de setembro de 2023 às 10:15

Que demais Duda conhecer um pouco mais da sua história no remo… Show de bola

    Adriana Piza · 29 de setembro de 2023 às 19:36

    Obrigada Boledi!

Acácio · 29 de setembro de 2023 às 12:35

Bonito texto!

    Adriana Piza · 29 de setembro de 2023 às 19:38

    Obrigada Acácio! As Regatas 4k foram grandes estímulos para evoluir nas remadas!

Carlos Eduardo Santiago Bede · 29 de setembro de 2023 às 12:58

Interessante esta coisa do “estar no remo”. Sua história parece um pouco com a minha, mas não voltei ao remo depois da segunda vez. Aguardo este momento, mas me dedico de outra forma. Seu texto tem uma carga bem emocional, todas são, mas este espírito de estar no remo, ler sobre o seu viver, torna-se especial. Um forte abraço.

Adriana Piza · 29 de setembro de 2023 às 19:49

Muito obrigada! Espero que possa retornar para o remo em breve!

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